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Os topônimos com a posposição tupi -pe no território brasileiro

Há topônimos de origem tupi no Brasil que terminam em -pe e -be (como Iguape, Peruíbe, Jacuípe etc.) e que compõem um padrão morfológico específico no sistema toponímico brasileiro. “Denominações antigas,... se distinguem efetivamente dos demais termos tupis, que, regra geral, ou são oxítonos (Tietê, Pará, Itanhaém, Moji), ou paroxítonos terminados em a (Ipiranga, Jabaquara)” (Barbosa, 1937, p. 57). É sobre tais nomes que nos detivemos nesta pesquisa.

PADRÕES MORFOLÓGICOS DOS TOPÔNIMOS COM ORIGEM NO TUPI ANTIGO E NAS LÍNGUAS GERAIS: OS TOPÔNIMOS COM -pe E -be

Os nomes geográficos com origem no tupi antigo e nas línguas gerais que se desenvolveram a partir dele apresentam padrões morfológicos que se incluem nas categorias apresentadas a seguir[1]:

- Substantivo simples: por exemplo, ‘Paissandu’ (nome de logradouro de São Paulo) – do tupi antigo pisandó, nome de certas variedades de palmeiras, que também recebem o nome de pissandu.


- Substantivo + substantivo, em relação genitiva: por exemplo, ‘Carioca’ (nome de rio e de antiga aldeia do Rio de Janeiro) – do tupi antigo kariîó + ok + marca argumental -a: ‘casa de carijós’;

- Substantivo + substantivo tyb[2] com a marca argumental -a, em relação genitiva: por exemplo, ‘Araçatiba’ (nome de localidade do Rio de Janeiro) – do tupi antigo arasá + tyb + marca argumental -a: ‘ajuntamento, ocorrência de araçás’ (nome de plantas mirtáceas).


- Substantivo + adjetivo qualificativo: por exemplo, ‘Santana do Ipanema’ (nome de município de Alagoas) – do tupi antigo ‘y + panem + marca argumental -a: ‘rio imprestável’, rio aziago’;

- Substantivo + adjetivo pûer, ûer (‘velho’, ‘extinto’, ‘que foi’)[3] + marca argumental -a: por exemplo, ‘Ibirapuera’ (bairro de São Paulo) – do tupi antigo ybyrá + pûer + marca argumental -a: ‘árvores velhas’, ‘árvores que foram’;

- Substantivo + adjetivo etá' (‘muitos’): por exemplo, ‘Paquetá’ (nome de ilha do Rio de Janeiro) – do tupi antigo pak-etá: ‘muitas pacas’.


- Substantivo + sufixo aumentativo -usu ou -ûasu (-gûasu[4]) ou sufixo diminutivo -‘ĩ: por exemplo, ‘Itaim’ (nome de bairro de São Paulo) – do tupi antigo itá-‘ĩ: ‘pedrinhas’; ‘Igaraçu’ (município de Pernambuco) – do tupi antigo ygarusu: ‘navio’ (literalmente, ‘canoão’).

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  1. Para as etimologias apresentadas, utilizamos o dicionário de Navarro (2019).
  2. Poder-se-ia supor que o morfema tyb fosse um sufixo, em tupi antigo. Assim, com efeito, é considerado o morfema -ty em guarani paraguaio (correspondente ao sufixo –al do português em ‘milharal’, ‘canavial’ etc.). O que não permite, contudo, tal interpretação é o fato de ser bem documentado nos textos coloniais o emprego de tyb como predicativo, o que não condiz com a natureza de um sufixo: “N’i tybi a’epe îase’o, mba’easy n’i tybi, n’i tybi ambyasy, ‘useîa bé n’i tybi...” – ‘Não há ali choro, não há doença, não há fome, sede também não há’ (Araújo, 1618, fol. 167).
  3. Rodrigues (1953, p. 79), em “Morfologia do verbo tupi”, considera pûer um sufixo. Já em seu trabalho inédito “Estrutura do Tupinambá” (Rodrigues, n. d.), afirmou que pûer é um substantivo. Com efeito, tal palavra pode ser usada predicativamente, o que não sucede com verdadeiros sufixos, por exemplo: “I pûer tekoaíba – ‘Passou (literalmente, ‘ela [é] passada, ela [é] acabada’) a aflição’” (Anchieta, 1595, fol. 33v).
  4. Poder-se-ia supor que -gûasu fosse um adjetivo, como katu ou mirĩ. É o que poderia sugerir sua ocorrência em nomes como ‘Iguaçu’ ou ‘Itaguaçu’. O que invalida, contudo, tal suposição é a impossibilidade de seu uso predicativo. Não se poderia jamais dizer ‘Xe gûasu’ – ‘Eu sou grande’.