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Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum., Belém, v. 16, n. 2, e20200041, 2021

Pelo seu próprio sentido, correspondente a ‘em’, ‘a’, ‘para’, a preposição [sic] -pe acompanha frequentemente os topônimos. O que contribuiu para que fosse tomada como parte deles pelos colonos. Eis por que inúmeros nomes geográficos brasileiros a trazem incorporada: Acarape, Araçuaípe, Aratuípe, Cauípe, Cotegipe, Guararape, Iguaguaçupe, Iguape, Inhambupe, Itaípe, Itapagipe, Jacuípe, Jaguaripe, Mamanguape, Manguape, Mapendipe, Maracaípe, Maragogipe, Maranguape, Meguaípe, Meruípe, Mucuripe, Sergipe, Suaçupe etc., além dos casos em que houve abrandamento do p: Beberibe, Camaragibe, Capiberibe, Jaguaribe, Peruíbe, Piragibe, Pirangibe etc. (Barbosa, 1956, pp. 440-441).

Certos nomes que Barbosa (1956) mencionou como exemplos nesta citação, tais como Acarape, Araçuaípe, Cauípe, Guararape, Iguaguaçupe, Manguape, Mapendipe, Maracaípe, Meguaípe, Meruípe, Suaçupe, não se encontram no Quadro 1 porque ele só inclui topônimos na escala 1:1000.000 e os nomes referidos por Barbosa aparecem apenas em cartas de escala maior.

No passo anteriormente citado, Barbosa (1956) quis dizer que a posposição -pe, por seu sentido locativo, é usada circunstancialmente (isto é, num adjunto adverbial) e acompanha, muitas vezes, nomes de lugares. Por exemplo: A’ytab Pirá Îy-pe. – ‘Nado no rio dos peixes.’; Erepindaîtyk ‘Y Kûá-pe. – ‘Pescas na enseada do rio.’ (exemplos nossos).

Assim, segundo o que se depreende das palavras de Barbosa (1956), colonos com pouco conhecimento da língua dos índios, ao ouvirem sentenças como as exemplificadas, teriam considerado as circunstâncias Pirá Îy-pe (‘no rio dos peixes’) e ‘Y Kûá-pe (‘na enseada do rio’) como lexias que incluem em si a posposição -pe, como se esta fosse parte integrante daquelas. Assim, Barbosa (1956) sugere que formas como ‘Piragibe’ ou ‘Iguape’ seriam de origem não nativa.

Ele afirma, ademais, o seguinte:

... Não parece que, em legítimo tupi, se concretizassem nomes de lugar a ponto de usá-los como sujeito e objeto de oração. Frases como ‘Reritiba é formosa’, ‘Gosto de Reritiba’ não são de feitio nativo. Os nomes de lugares aparecem também, mais como adjuntivos: ‘Estou em Reritiba’, ‘Vou para Piratininga’, ‘Venho de Jaguari’ etc. (Barbosa, 1956, p. 440).

Barbosa supunha, assim, que os topônimos tupis não fossem usados argumentativamente, mas somente acompanhados de posposições, em função adverbial, e que tal fato linguístico teria contribuído para confundir quem não era indígena.

Com efeito, o fenômeno de emprego de topônimos com origem numa língua segundo a compreensão de falantes de outra língua é bem conhecido. Um exemplo disso encontramo-lo no nome ‘Istambul’, na Turquia. O antigo topônimo ‘Constantinopla’ (de Constantinou-pólis, em grego, ‘a cidade de Constantino’), atribuído no século IV, foi, durante a Idade Média e com a tomada daquela cidade pelos turcos em 1453, substituído por ‘Istambul’, do grego demótico coloquial sten Pólin – ‘para a cidade’ ou ‘na cidade’. De acordo com Stachowski e Woodhouse (2015, p. 240), “O nome deve ter tomado forma em interações entre falantes e não falantes de grego”. O fenômeno é quase igual ao que Barbosa (1956) supôs ter ocorrido em tupi antigo, exceto pelo fato de que eis, em grego, é uma preposição e -pe, em tupi antigo, é uma posposição.

Outro nome originado de uma incorreta interpretação do emprego de um topônimo por povo falante de outra língua é Iskandaryia, nome de algumas localidades situadas no mundo árabe, das quais a mais famosa e importante é a cidade de Alexandria, no Egito. Em árabe, al é artigo e, ao serem dominadas pelos mouros no século VII, as letras Al de Alexandria foram interpretadas pelos falantes de árabe como sendo as do artigo que acompanharia um suposto nome ‘Iskandaryia’ (de Iskander, Alexandre, em árabe) (van Heel, 2016).

Assim, Barbosa sugeriu que teria ocorrido na toponímia brasileira um fato semelhante ao que ora exemplificamos com aqueles topônimos da Turquia e do Egito.

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