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Os topônimos com a posposição tupi -pe no território brasileiro
AS HIPÓTESES DE BARBOSA À LUZ DOS TEXTOS TUPIS COLONIAIS

Para pormos à prova a primeira hipótese de Barbosa (1956, p. 440), segundo a qual a posposição -pe nos topônimos foi tomada “como parte deles pelos colonos”, os quais teriam sido os criadores daquela categoria de nomes de lugares, buscamos informações em textos de autores que tiveram contato efêmero com os índios falantes de tupi antigo. Isso porque, em muitos casos, um longo contato entre europeus e índios levou, efetivamente, a transformações estruturais naquela língua indígena. Uma delas, por exemplo, se deu com relação à sintaxe tupi, que apresentava a tendência de antepor o objeto ao verbo no modo indicativo: “Aîpó maíra... ybytuûasu oîmoú. – ‘Aquele homem branco fez vir a ventania’” (Staden, 1557, p. 91); “Nde akanga îuká aîpotá korine. – ‘Tua cabeça quererei quebrar hoje.’” (Staden, 1557, p. 156). O padrão sujeito-objeto-verbo (SOV) passou a ser predominantemente sujeito-verbo-objeto (SVO), característico do português. Isso pode ser observado já na primeira metade do século XVII. Vemos, com efeito, na “Arte da língua brasílica”, do jesuíta Luís Figueira, de 1621, muitos exemplos que mostram que a sintaxe do tupi antigo estava influenciada pelo português: “Pedro oiucá iaguara. – ‘Pedro matou a onça.’”; “Pedro oçauçub Tupana. – ‘Pedro ama a Deus.’” (Figueira, 1621, fol. 83). Nas cartas dos índios Camarões, preservadas nos arquivos holandeses, vemos que a sintaxe de tipo SVO é predominante com verbos no modo indicativo, embora ainda haja mostras de uma sintaxe de tipo SOV. Na carta de Diogo da Costa, de 21 de outubro de 1645, lemos: “Aimondó ã xe soldados ebapó. – ‘Eis que enviei meus soldados para aí.’” e “Emokûeî bé mokõî kunhã aîmondó. – ‘Para aí também duas mulheres enviei.’” (Navarro, 2016, p. 447). Assim, o grau de contato dos índios com os viajantes ou cronistas europeus foi, aqui, o critério usado para se escolherem os textos que utilizamos para aferir a veracidade ou não da primeira hipótese de Barbosa. Desse modo, os escritos que se nos afiguram mais apropriados para tal são as obras do alemão Hans Staden e dos missionários franceses da França Equinocial. Isso porque foi muito pouco o tempo que eles passaram entre os índios tupis, não podendo ser chamados propriamente de ‘colonos’, nem tendo podido, assim, ser perfeitos falantes da língua dos índios. Desta forma, poderemos nos afastar de um tupi colonial com influências europeias e aproximarmo-nos mais da língua falada antes do contato para pormos à prova aquela hipótese de Barbosa.

A obra do alemão Hans Staden, publicada em 1557, foi, segundo Navarro (2014, p. 30),

... a primeira obra quinhentista publicada sobre os índios tupis da costa e onde se apresentam informações sobre sua língua e sua cultura,.... a Warhaftige Historia.... Tendo naufragado nas costas do sul do Brasil, em 1549, [Staden] logo se reuniu aos portugueses em São Vicente, aliados dos índios tupiniquins, com os quais passou a viver e a trabalhar, ajudando-os na defesa contra os índios inimigos, no forte da ilha de Santo Amaro. Tendo sido aprisionado pelos índios tupinambás, viveu meses entre estes, correndo grande risco de vida, até ser resgatado por franceses do navio Cathérine de Vetteville, que o conduziu de volta à Europa. O livro de Hans Staden logrou dezenas de edições em várias línguas. Além de obra imprescindível para a Etnologia, porta muitos termos e frases em tupi antigo.

Com relação a topônimos, ele mencionou alguns que incluíam a posposição -pe, como se vê a seguir:

... ein Insel welche Sancte Sebastian von den Portugalesern genant wirt aber die Wilden heissen sie Meyenbipe [... uma ilha que é chamada pelos portugueses São Sebastião e pelos selvagens Meyenbipe] (Staden, 1557, cap. 42)[1].
... wolten sie eynen gefangenen essen in eynem dorff Tickquarippe genant... [Queriam eles comer um prisioneiro em uma aldeia chamada Tickquarippe] (Staden, 1557, cap. 36)[2].


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  1. Tradução e grifos nossos.
  2. Tradução e grifos nossos