Página:Os trabalhadores do mar.djvu/196

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Demais, a casa não tinha tecto nem tabiques, e tendo apenas as quatro paredes e o telhado, uma janella não pode ser illuminada sem que a outra o seja.

Vendo que o aprendiz de calafate ficava, os outros dous voltaram tremulos, curiosos. O aprendiz de calafate, disse-lhes baixinho: — Ha almas do outro mundo na casa. Vi o nariz de uma dellas. — Os dous pequenos agruparam-se atraz do francez, e levantando-se sobre a ponta dos pés, por cima do hombro, abrigados por elle, fazendo delle um escudo, oppondo-o á casa, tranquillisados por tel-o entre si e a visão, olharam tambem.

A casa a seu turno parecia olhar para elles. Tinha naquella vasta obscuridade muda, duas orbitas vermelhas. Eram as janellas. A luz eclipsava-se, reapparecia, eclipsava-se ainda, como essas luzes costumam fazer. Estas intermittencias sinistras representavam provavelmente as alternativas do inferno. Abre-se, fecha-se. O respiradouro do sepulchro tem effeitos de lanterna surda.

De repente uma escuridão opaca com forma humana levantou-se em uma das janellas, como se viesse de fora, depois mergulhou no interior da casa. Parece que alguem chegava.

Entrar pela janella era o habito dos visitantes.

O clarão appareceu um momento mais vivo, depois apagou-se e não reappareceu mais. A casa tornou-se escura. Então ouviram-se rumores. Esses rumores pareciam vozes. É sempre assim. Quando se vê, não se ouve; quando não se vê, ouve-se.

O mar tem á noite uma taciturnidade particular. O silencio da sombra é ahi mais profundo que em qualquer