Saltar para o conteúdo

Página:Os trabalhadores do mar.djvu/36

Wikisource, a biblioteca livre
— 28 —

póde ir vel-as, e mesmo á alguma distancia, ha uma casa em cuja esquina lê-se isto: mercador de gado morto e vivo, cordas velhas, ferros, ossos e fumo de mascar; é prompto na paga e na attenção.

Só de má fé se póde contestar a existencia daquellas pedras e daquella casa. Tudo isso fazia mal a Gilliatt.

Só os ignorantes não sabem que o maior perigo dos mares da Mancha é o que se chama rei dos Auxcriniers. Não ha personagem maritimo mais temivel. Quem o vê naufraga logo entre uma e outra Saint Michel. É pequeno e surdo, por ser anão e rei. Sabe o nome de quantos morreram no mar, e em que lugar estão. Conhece a fundo o cemiterio Oceano. Cabeça larga em baixo, e estreita em cima, corpo cheio, barriga viscosa e disforme, nodosidades no craneo, pernas curtas, braços compridos, barbatanas em vez de pés, garras em vez de mãos, cara larga e verde, tal é aquelle rei. As garras são achatadas, as barbatanas tem unhas. Imaginem um peixe, com cara de homem, e fórma de espectro. Para vencel-o, é preciso exorcismal-o ou pescal-o. Fóra disso, é sinistro. Vel-o é perigoso. Descobre-se acima das ondas e do marulho, atravez da espessura do nevoeiro, umas feições de gente; testa curta, nariz esborrachado, orelhas chatas, boca immensa e sem dentes, beiços esverdeados, sobrancelhas angulosas, olhos vivos e grandes. O rei torna-se vermelho quando o relampago é livido, descorado quando o relampago é vermelho. Tem barba gotejante e rigida, cortada em quadro, que lhe cahe sobre uma membrana em fórma de mantéo de peregrino; o mantéo é adornado