Página:Os trabalhadores do mar.djvu/464

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fornalhas. Nenhuma crepitação, nenhum ardor, nenhum avermelhado, nenhum ruido. Rastilhos azulados imitavam n’agua as dobras de uma mortalha. Um grande clarão livido, estremecia n’agua. Não era incendio; era o espectro delle.

Era uma cousa semelhante ao abrazamento livido do interior de um sepulchro por uma chamma ideal.

Imaginai trevas accesas.

A noite, a vasta noite turva e diffusa, parecia ser um combustivel daquelle fogo gelado. Era uma claridade feita de cegueira. A sombra entrava como elemento naquella luz phantasma.

Os marinheiros da Mancha, conhecem todas essas indescriptiveis phosphorescencias, que advertem o navegante. Em parte alguma são mais surprehendentes, do que no Grande V, perto de Isigny.

Diante desta luz as cousas perdem a realidade. Uma penetração phantastica toma-as como que transparentes. Os rochedos são apenas lineamentos. Os cabos das ancoras parecem barras de ferro ardentes. As redes dos pescadores parecem um crivo de fogo debaixo d’agua. Metade do remo é de ebano, a outra metade debaixo d’agua é de prata. Os pingos d’agua que cahem dos remos fazem estrellas no mar. Todos os barcos arrastam um cometa. Os marinheiros molhados e luminosos parecem homens que ardem. Mergulha-se a mão no mar e sahe calçada de chamma: é uma chamma morta, não se sente. O braço parece um tição aceso. Vê-se as formas que estão no mar rolarem debaixo das vagas alumiadas. A espuma scintilla. Os peixes são linguas de fogo, e uns pedaços de relampago serpenteam n’aquella pallida profundidade.