Página:Os trabalhadores do mar.djvu/508

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isso. Nenhuma dilação, nenhuma interrupção, nenhuma trégoa, nenhum descanço para tomar alento. Ha uma não sei que de covardia nessa prodigalidade do inexgotavel.

Toda a immensidade tumultuosa atirava-se sobre o escolho Douvres. Ouviam-se vozes sem numero. Quem gritava assim? Estava alli o antigo terror panico. De quando em quando, parecia que era alguem que fallava, como se fizesse um commando. Depois clamores, clarins, estranhas tremuras, e aquelle grande e magestoso urro que os marinheiros dizem ser a chamada do oceano.

As espiraes indefinidas e fugazes do vento assoviavam torcendo a onda; as vagas, tornadas discos debaixo daquelles torneamentos, eram atiradas contra os parceis como chapas gigantescas por athletas invisiveis.

A enorme escuma eriçava todas as rochas. Torrentes em cima, saliva em baixo. Depois redobravam os mugidos. Nenhum rumor humano ou bestial poderia dar idéa dos fracassos misturados áquellas deslocações do mar. A nuvem canhoneava, a saraiva metralhava, o marulho escalava. Certos pontos pareciam immoveis, em outros o vento fazia vinte toesas por segundo. O mar ao longe estava todo branco; dez léguas de agua de sabão enchiam o horisonte. Abriam-se portas de fogo. Algumas nuvens pareciam queimadas por outras, e sobre montões de nuvens vermelhas semelhantes ás brasas, assemelhavam-se essas ao fumo.

Configurações flutuantes esbarravam-se e amalgamavam-se, desfazendo-se umas por outras. Escorria