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Página:Os trabalhadores do mar.djvu/587

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O homem soccorre-se do proprio medo; pede auxilio ao pavor; a anciedade aconselha o ajoelhar.

A oração, enorme força propria da alma, é da mesma especie que o mysterio. A oração dirige-se á magnanimidade das trevas; a oração contempla o mysterio com os olhos da sombra, e diante da fixidez poderosa desse olhar supplice, sente-se um desarmamento possivel no ignoto.

Essa possibilidade entrevista é já uma consolação.

Mas Lethierry não orava.

No tempo em que era feliz, Deos existia para elle, póde dizer-se que em carne e osso; Lethierry fallava-lhe, dava-lhe a sua palavra, dava-lhe quasi, de quando em quando, um aperto de mão. Mas no infortunio de Lethierry, phenomeno aliás frequente, Deos eclypsava-se. Isto acontece a quem imagina um Deos bonachão.

Não havia para Lethierry, no estado a que chegára, mais que uma visão pura, o sorriso de Deruchette. Fora desse sorriso, tudo era negro.

Desde algum tempo, sem duvida por causa da perda da Durande, cujo choque ella sentia, tornou-se raro o delicioso riso de Deruchette. Parecia preoccupado. Extinguia-se-lhe a gentileza de passaro e de criança. Já ninguem a via, ao tiro de peça da manhã, fazer uma cortezia e dizer ao sol: «bum!... jour!... queira entrar.» Tinha ás vezes um ar sério, cousa triste naquella doce creatura. Entretanto fazia esforço para rir a mess Lethierry, e para distrahil-o, mas a sua alegria apagava-se dia a dia, e cobria-se de poeira, como a aza de uma borboleta que um alfinete atravessou. Accrescentemos que, seja porque