Página:Os trabalhadores do mar.djvu/61

Wikisource, a biblioteca livre
— 53 —

sentado naquella poltrona; descobria-se todo o mar, viam-se ao longe os navios entrar e sahir, podia-se acompanhar com os olhos uma vela até mergulhar-se além dos Casquets, sobre a rotundidade do oceano; pasmava-se, olhava-se, gosava-se; sentia-se o afago da briza e do mar; ha em Cayenna um vespertilio, que adormece a gente na sombra com um suave e tenebroso agitar de azas; o vento é esse morcego invisivel; quando não devasta, faz adormecer. Contemplava-se o mar; ouvia-se o vento, até que vinha o letargo do extase. Quando os olhos se enchem de um excesso de belleza e de luz, fechal-os é voluptuosidade. Acordava-se de subito. Era tarde. A maré crescera a pouco e pouco. A agua cingia o rochedo.

Estava-se perdido.

Tremendo bloqueio é o mar que sobe!

A maré cresce insensivelmente ao principio, depois com violencia. Chegando ás rochas, encolerisa-se, escuma. Nem sempre se póde nadar junto aos cachopos. Excellentes nadadores morreram affogados naquelle lugar.

Em certos pontos, a certas horas, contemplar o mar é sorver um veneno. É o que acontece, ás vezes, olhando para uma mulher.

Os antiquissimos habitantes de Guernesey chamavam outr’ora aquelle nicho talhado na rocha pela vaga a cadeira Gild-Holm-’Ur, ou Kidormur. Palavra celtica, dizem, não entendida pelos que sabem celtico, e entendida pelos que sabem francez Quem-dorme-morre. (Qui dort-meurt.) Tal é a traducção rustica.