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Página:Os trabalhadores do mar.djvu/92

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os homens da ordem. Apregoava-se branco de raça pura, odiava os negros: apezar disso teria admirado a Soluque. Em Bordeaux, em 1815, foi elle verdet. Naquella época a fumaça do seu realismo sahia-lhe pela cabeça fora, na forma de um immenso penacho branco. Passava a vida a fazer eclipses, apparecendo, desapparecendo e tornando a apparecer. Era um velhaco a gyrar como uma rodinha de fogo. Sabio o turco: em vez de guilhotinado dizia: neboissé. Fora escravo em Tripoli, na casa de um thaleb e ahi aprendera o turco á força de bengaladas; tinha por obrigação ir á noite á porta das mesquitas ler em alta voz diante dos fieis o Alkorão, escripto em pranchas de madeira ou em omoplatas de camello. Provavelmente era renegado.

Era capaz de tudo e mais alguma cousa.

Ria a gargalhadas e enrugava as sobrancelhas, a um tempo. Dizia: Em politica, só estimo as pessoas inaccessiveis ás influencias. Dizia: Sou pelos costumes. Dizia: É preciso repor a piramide na base. Era mais alegre e cordial que outra cousa. A forma da bocca desmentia-lhe o sentido das palavras. As suas narinas eram antes ventas de animal. Tinha no canto dos olhos uma encrusilhada de rugas onde toda a sorte de pensamentos obscuros davam entrevista. Ahi é que se podia decifrar o segredo da physionomia delle. Assemelhavam-se as taes rugas a uma garra de abutre. O craneo era chato em cima e largo nas temporas. A orelha disforme e embrenhada de cabellos parecia dizer: não falles ao animal que está aqui neste antro.

Rantaine desappareceu um dia de Guernesey.

O socio de Lethierry raspou-se deixando vasia a caixa da sociedade.