Página:Peregrinaçam.pdf/43

Wikisource, a biblioteca livre
Fernão Mendez Pinto. 18

bebedor do turuo ſangue eſtrangeiro dos malditos cafres, ſem ley, do cabo do mundo, vſurpadores, por ſummo grao de tyrannia, de reynos alheyos nas terras da India, & ilhas do mar, de q̃ os ſeus todos ſazẽ grande caſo. O qual titulo lhe veyo eſte anno da caſa de Meca, pelo preſente das alãpadas douro que lá mandou de eſmola ao alcoraõ do ſeu Mafamede, como cuſtuma fazer todos os annos. E aſsi te digo q̃ digas de minha parte ao Capitão de Malaca, inda que ja lho tenho eſcrito, que ſe vigie continuamente deſte inimigo Achem, porque em nenhũa outra couſa imagina, ſe não em como vos ha de lançar fora da India, & meter nella o Turco, de quem dizem que para iſſo pretende grande ſocorro, mas Deos por quem he prouerà de maneyra, q̃ todas as ſuas malicioſas aſtucias ſoccedão muyto ao reuès de ſeus penſamentos. E com iſto me deu hũa carta em repoſta da embaixada que lhe eu trouxe, com hum preſente de ſeis azagayas cos aluados douro, & doze cates de calambuco, com hũa boceta de tartaruga, guarnecida douro cheya de aljoſre groſſo, & dezaſſeis perolas de bom tamanho. E a mym fez merce de dous cates douro, & hũ terçado pequeno guarnecido do meſmo. E deſpidindome delle cõ muyta ſobegidão de hõras, como ſempre me fizera, moſtrando ſer de ſua parte muyto fixa eſta noua amizade q̃ tomara com noſco, me vim embarcar, acompanhado do meſmo Aquarem Dabolay ſeu cunhado, que fora por Embaixador a Malaca, como atras ja fica dito. E partidos deſte porto de Panaajù, chegamos cõ duas horas de noite a hũ ilheo, que ſe dizia Apefingau, obra de hũa legoa & meya da barra, pouoado de gẽte pobre, q̃ viue pela peſcaria dos ſaueis, de q̃, por falta de ſal não aproueitão mais que ſòs as ouas das femeas, como nos rios de Aarù, & Siaca, neſtoutra coſta do mar mediterraneo.

CAP. XIX.
Do que paßey atè chegar ao reyno de Quedâ, na costa da terra firme de Malaca, & do que ahy me aconteceo.


AO outro dia ſeguinte pela menham nos partimos deſte ilheo de Fingau, & corremos a coſta do mar Oceano em diſtancia de vinte & ſeis legoas, até abocar o eſtreito de Minhagaruu, por onde tinhamos entrado, & paſſados ã contracoſta deſtoutro mar mediterraneo , ſeguimos noſſa derrota ao longo della atè junto de Pullo Bugay, donde atraueſſamos a terra firme, & aferrando o porto de Iunçalão, corremos com ventos bonanças dous dias & meyo, & fomos ſurgir no rio de Parlès do reyno de Quedà, no qual eſtiuemos cinco dias ſurtos, por nos não ſeruir o vento, & nelles o Mouro & eu, por cõſelho de algũs mercadores da terra fomos ver o Rey, cõ hũa odià ou preſẽ-

C2 te