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Peregrinações de

quella ſua embarcaçaõ aſsi como lha tinhão tomado, que elles cõfeſſariaõ toda a verdade do que viraõ pelos olhos, & do que ouuiraõ dizer, & Antonio de Faria lhes prometeo de o fazer aſsi, & lho affirmou com muytas palauras. Então hum delles que era o mais velho, & parecia ſer entre elles de mais autoridade, diſſe, não me fio inda muyto da liberalidade deſſas tuas palauras, porque te eſtendeſte tanto nellas que temo que me faltes no effeito do que ellas prometem, pelo que te peço que mo jures por eſta agoa do mar que te ſuſtenta encima de ſy, porque ſe mintires jurando, crè certo q̃ o Senhor da mão poderoſa com impeto de ira ſe indinará contra ty de tal maneyra, que os ventos por cima & ella por baixo nũca ceſſem em tuas viagẽs de te contrariar a vontade, porque te juro pela fermoſura das ſuas eſtrellas que he a mentira tão fea & tão auorrecida diante de ſeus olhos, como a inchada ſoberba dos miniſtros das cauſas q̃ ſe julgão na terra quando com deſprezo & deſcorteſia falão às partes que requerem diante delles o que faz a bem de ſua juſtiça. E jurandolhe Antonio de Faria com toda a cerimonia neceſſaria a ſeu intento, que elle lhe cumpriria ſua palaura, o Chim ſe ouue por ſatisfeito, & lhe diſſe: eſſes teus homẽs por quem preguntas, eu os vy ha dous dias prender na chifanga de Nouday, & botarlhe ferros nos peis, dando por razão que eraõ ladroẽs q̃ roubauaõ as gentes no mar, de que Antonio de Faria ficou ſuſpenſo & aſſaz enfadado, parecẽdolhe que podia ſer aquillo aſsi: & querendo logo com muyta preſſa prouer no remedio da ſoltura delles, pelo perigo que entendia que podia auer na tardança, lhes mandou hũa carta por hum deſtes Chins, ficando por elle em reſẽs todos os mais, o qual ſe partio logo pela menham muyto cedo; & como a eſtes Chins lhes releuaua verẽſe fora do em que ſe vião, eſte, q̃ era marido de hũa das duas que foraõ tomadas na barca da louça, & então ficauão no junco, ſe deu tanta preſſa, que quando veyo ao meyo dia tornou com a repoſta eſcrita nas coſtas da carta, & aſsinada por todos cinco, em que breuemente lhe relatauaõ a cruel priſaõ em que os tinhaõ, & que ſem falta nenhũa os auião de matar por juſtiça, pelo que lhe pedião pelas chagas de noſſo Senhor Ieſu Chriſto que os não deixaſſe aly perecer ao deſemparo, & que lhe lembraſſe ſua ſè & verdade, pois, como ſabia, por ſeu reſpeito vieraõ ter a aquelle triſte eſtado, & outras piedades a eſte modo, como de homẽs que eſtauão catiuos em poder de gente cruel & fraca como ſaõ os Chins. Antonio de Faria leyo eſta carta perante todos, & lhes pedio conſelho ſobre o que niſto ſe deuia de fazer, & como eraõ muytos os que dauão ſeus pareceres, aſsi foraõ tambem muytas & diuerſas as opinioẽs, de que elle não ficou nada ſatisfeito, pelo qual deſpois de auer ſobre iſto hũa longa altercaçaõ, vendo elle q̃ pela variedade dos pareceres ſe não tomaua reſolução

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