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Eu vou transpondo a arena da existencia,
Vendo irem-se escoando uns apos outros
       Os meus estereis dias,
Qual naufrago em rochedo solitario,
Vendo a seus pés quebrar-se uma por uma
As ondas com monotono bramido,
Ah! sem jámais no dorso lhe trazerem
       O lenho salvador!
Amigo, o fatal sopro da descrença
Me roça ás vezes n’alma, e a deixa nua,
E fria como a lagem do sepulcro;
Sim, tudo vai-se; sonhos de esperança,
Fervidas emoções, anhelos puros,
Saudades, illusões, amor e crenças,
Tudo, tudo me foge, tudo vôa
Como nuvem de flôres sobre as azas
       De rabido tufão.
Onde vou? Para onde me arrebatão
       Do tempo as ondas rapidas?
Porque ancioso corro a esse futuro,
Onde reinão as trevas da incerteza?
E se através de escuridão perenne
Só temos de sulcar ignotos mares
       De escolhos semeados,