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UMA CREATURA


Sei de uma creatura antiga e formidavel,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas
Com a sofreguidão da fome insaciavel.

Habita juntamente os valles e as montanhas;
E no mar, que se rasga, á maneira de abysmo,
Espreguiça-se toda em convulsões extranhas.

Traz impresso na fronte o obscuro despotismo;
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.

Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o bello e o monstruoso.