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tão abundantes como os volumes de Provas junctos á obra de Sousa. Obrigados, desde onde acaba o nosso manuscripto, a tomar para texto o impresso, não hesitámos tambem em corrigir esses erros naquelles logares em que nenhuma duvida tinhamos de que o eram, indicando as emendas que nos pareciam convenientes onde a duvida era possivel.

O N.º III é um fragmento de nobiliario analogo ao chamado Livro do Conde D. Pedro. Acha-se juncto, segundo dissemos, ao manuscripto, tambem truncado, do celebre Cancioneiro denominado do Collegio dos Nobres, que se conserva na Bibliotheca Real da Ajuda. É como elle escripto em pergaminho, folio grande, a duas columnas, em caracteres monachaes assás nitidos, e posto que de duas diversas mãos, proximamente semelhantes aos do Cancioneiro, com as rubricas em vermelhão. Bem que não seja facil fixar pela letra a epocha dos codices escriptos em monachal, a que os nossos paleographos chamam letra franceza, a do manuscripto do N.º III nem parece anterior aos fins do seculo XIV nem posterior aos princípios do XV. Como o Livro de Linhagens da Torre do Tombo, este fragmento está dividido em titulos correspondendo aos do exemplar da Torre, mas com uma divisão de paragraphos, assignalada por numeração romana, mais exacta do que a dess'outro, como abaixo notaremos. O codice pertenceu aos jesuitas, e foi trazido, pelos annos de 1825, do deposito de livros sequestrados á Companhia de Jesus para a Bibliotheca Real. Esse deposito conservava-se no edificio do antigo collegio daquelle instituto, applicado depois para a casa de educação intitulada Collegio dos Nobres. D'essa circunstancia proveio a denominação vulgar do Cancioneiro a que se acha unido o fragmento do nobiliario.

Posto que considerado em geral o N.º III se podesse qualificar como um fragmento de outro exemplar do mesmo livro que se guarda na Torre do Tombo com a denominação de Nobiliario do Conde D. Pedro, ha todavia nesse fragmento taes differenças que entendemos ser mais conveniente imprimi-lo separadamente, como escripto diverso. Os monumentos da idade media que chegaram até nós ácerca da origem das familias nobres podem na verdade considerar-se como constituindo um livro unico, o primitivo registo da nobreza successivamente accrescentado e alterado, mas podem tambem considerar-se como obras diversas de origem commum, tendo os auctores mais modernos aproveitado em maior ou menor escala os trabalhos dos seus antecessores, o que, como veremos, claramente resulta do N.º IV.

O fragmento da Bibliotheca Real mostra bem como de epocha para epocha o antigo registo de nobreza se ia tornando uma cousa nova sem deixar de ser essencialmente o mesmo. Apesar de abranger tão poucos titulos, apparece ahi o que se encontraria em muitos transumptos analogos se muitos existissem ainda, isto é, additamentos á margem, que mais tarde ou mais cedo teriam de vir confundir-se com o texto, lacunas deixadas para preencher com as novas gerações de que já ás vezes se indica algum nome, e finalmente suppressôes de factos cuja tradição por qualquer motivo não convinha conservar. No N.º III vamos achar, digamos assim, em flagrante transformação os anteriores livros de linhagens.

Das differenças que se encontram entre o texto do fragmento e o do N.º IV uma sobretudo é digna de notar. No N.º IV a divisão anterior em títulos foi conservada, mas confundiu-se a dos paragraphos, que aliás era indispensavel, visto que nas referencias de umas para outras linhagens o texto indica não só o titulo mas tambem o paragrapho a que esse logar onde se faz a citação é correlativo. Em vez de manter com escrupulo as antigas subdivisões a que o texto se estava referindo a cada passo, o redactor ou copista do N.° IV subdividiu os titulos a seu capricho, de modo que as citações são constantemente inexactas. Não succede assim no N.º III, onde é conservada a subdivisão primitiva, e apparecem alem disso muitas referencias, escriptas á margem, que foram supprimidas no N.º IV, ao passo que alguns periodos que ainda no codice da Bibliotheca Real estão escriptos á margem apparecem já incorporados no texto do codice do Archivo Nacional.

Na opinião de vários escriptores as alterações feitas no primitivo texto do nobiliario do Conde D. Pedro foram devidas á penna do nosso primeiro e mais illustre chronista Fernão Lopes. Brandão[1] combateu com bons fundamentos esta affirmativa que não se estriba senão em vagas

  1. Monarch. Lusit., L. 17, c. 5.