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tradições. O codice da Bibliotheca Real parece porém derimir definitivamente a questão. Fernão Lopes de certo vivia já nos fins do seculo XIV ou nos principios do XV quando esse codice se escreveu; mas dedicou-se aos trabalhos historicos n'uma epocha posterior. Foi pelos annos de 1434 que elrei D. Duarte o encarregou de reduzir a corpo d'historia as memorias dos anteriores reinados[1], e não é provavel que elle encetasse a sua carreira de historiador pela correcção ou perversão, como quizerem chamar-lhe, do Livro das Linhagens. O fragmento juncto ao Cancioneiro é evidentemente anterior ao meiado do seculo XV, e todavia, do mesmo modo que o exemplar do Archivo Nacional, refere-se no titulo 35 ao Nobiliario do conde como a um trabalho que carecia de correcção, e que naquelle transumpto effectivamente se corrigia. Vê-se pois que as alterações feitas no Livro de D. Pedro mal se podem attribuir a Fernão Lopes.

As suppressões que se encontram neste fragmento, e a que já alludimos, foram feitas depois d'escripto o codice. Essas passagens respançadas, ainda em parte se leem. Entendemos que era util e curioso imprimi-las até onde se alcançasse decifra-las, indicando no baixo da pagina a circunstancia da suppressão, como indicamos qualquer outra que possa conduzir o leitor a fazer uma exacta idéa do manuscripto original.

Resta ajunctar aqui algumas observações preliminares sobre o N.º IV. Na maior parte dellas não faremos senão repetir com leves mudanças o que observámos ácerca desse monumento n'um trabalho anterior[2]. O N.º IV é o codice conhecido ha seculos pelo titulo de Livro do Conde D. Pedro, conservado ainda hoje na Torre do Tombo. Este monumento considera-se como já publicado, mas deve-se em rigor reputar inedito. «A edição preparada por Lavanha - dissemos nós nesse escripto a que acima nos referimos - publicou-se em Roma no anno de 1640; Faria e Sousa verteu-o depois em castelhano, e imprimiu a sua versão em Madrid em 1646; mas nem um nem outro se adstringiram, na publicação deste celebre livro, a reproduzir fielmente o texto no estado em que o encontraram. Delle não existia, é certo, um original verdadeiro ou supposto, e nem sequer se conhecia uma copia, que, remontando ao meiado do seculo XIV, tivesse uma especie de authenticidade. Todavia o avultado numero de traslados do Nobiliario, cuja fonte unica era, acaso, o que se guardava e guarda na Torre do Tombo; a estimação que este codice merecia, a ponto de se mandar, no tempo do governo castelhano, tirar delle copia authentica para ser depositada no Escurial, tinham-lhe dado um caracter, por assim dizer, publico, que não era licito alterar: Lavanha alterou, porém, tudo: supprimiu, transpoz, corrigiu. Comparado o impresso com o manuscripto são duas obras differentes.»

O Ms. da Torre do Tombo é um volume em folio de 228 folhas numeradas, ricamente enquadernado em 1693 por ordem do Guarda-mór D. Antonio Alvares da Cunha, que o achou na mesma Torre desordenado e maltractado. Um fragmento que faltava e que constitue quasi toda a segunda metade do titulo 36, fôra já anteriormente restituido por uma copia que existia na livraria do duque de Bragança D. João, depois rei, no tempo do Guarda-mór Gregorio Mascarenhas Homem[3]. N'uma especie de prologo em fórma de epistola dedicatoria a D. Pedro II, Cunha affirma que o codice fôra mandado copiar por Damião de Goes. Esta affirmativa destituida de provas, e cuja origem debalde procurámos, é difficil de conciliar com os indicios que o proprio manuscripto subministra. Comparando os caracteres em que está escripto o Nobiliario com os dos livros chamados de leitura nova de D. Manuel, parecem-nos aquelles caracteres assemelharem-se antes aos dos mais antigos volumes dessa tão esplendida como inexacta collecção, do que aos dos que escreveram no reinado de D. João III, alguns dos quaes são rubricados por Goes. Suppomos até mais provavel que o codice da Torre remonte aos fins do seculo XV.

Em um volume de apontamentos historicos colligidos na primeira metade do seculo XVI que existe na Bibliotheca Real da Ajuda, apontamentos que na maxima parte são da letra de Fernão de Pina, transcrevem-se frequentemente passagens do Livro das Linhagens. A citação


  1. Memor. do R. Arch. p. 54 e seg.
  2. Memoria citada.
  3. Consta isto do prologo e da certidão juncta no fim do mesmo livro e do Doc. da Gav. 10, M. 5, n.º 2 do Arch. Nac.