Página:Quincas Borba.pdf/127

Wikisource, a biblioteca livre
QUINCAS BORBA
117

QUINCAS BORBA

117

CAPITULO LIII

Perdoem-lhe esse riso. Bem sei que o desassocego, a noite mal passada, o terror da opinião, tudo contrasta com esse riso inopportuno. Mas, leitora amada, talvez a senhora nunca visse cair um carteiro. Os deuses de Homero,—e mais eram deuses, — debatiam uma vez no Olympo, gravemente, e até furiosamente. A orgulhosa Juno, ciosa dos colloquios de Thetis e Júpiter em favor de Achilles, interrompe o filho de Saturno. Júpiter troveja e ameaça; a esposa treme de cólera. Os outros gemem e suspiram. Mas quando Vulcano pega da urna de nectar, e vae coxeando servir a todos, rompe no Olympo uma enorme gargalhada inextinguivel. Porque? Senhora minha, com certeza nunca viu cair um carteiro. Ás vezes, nem é preciso que elle caia; outras vezes nem é sequer preciso que exista. Basta imaginal-o ou recordal-o. A sombra da sombra de uma lembrança grotesca projectn-se no meio da paixão mais aborrecivel, e o sorriso vem ás vezes á tona da cara, leve que seja, — um nada. Deixemol-a rir, e ler a sua carta da roça.