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REVISTA DO BRASIL

Morreu, e o Dr. Ignacinho apresentou em inventario uma conta de chegar: 35 contos de réis.

Os herdeiros impugnaram o pagamento. Move-se a traquitana desengonçada que chamam a Justiça, com maiuscula, inda se não descobriu porque. Moe-se o palavriado tabellionesco. Saem das estantes carunchosos trabucos romanos.

Procede-se ao arbitramento.

Os arbitros são Fortunato e Moura, os quaes disseram entre si:

— Que grande velhaco! Mata o homem e inda por cima quer ficar-se herdeiro! O tratamento, alto e malo, não vale cem mil réis. Que valha duzentos. Que valha um conto! Ou tres! Mas trinta e cinco, é ser ladrão.

No laudo, entretanto, acharam relativamente (esqueceram dizer relativo ao que) modico o pedido.

A Justiça enguliu aquelle papel, manipulou-o com os outros ingredientes da praxe, e ao cabo partejou um monstrosinho chamado sentença, o qual obrigava o espolio a alliviar-se de 35 contos em proveito do medico, mais as custas da esvurmadela forense.

Ignacinho embolsou os cobres, e reconciliou-se com os dois collegas, que afinal não eram as azemolas que elle suppunha.

— Collegas, o passado, passado; agora, para a vida e para a morte.

— Pois está visto, disse Fortunato. Tolo foi você de abrir lucta com os que ajudam o negocio. O colleguismo: eis a nossa grande força!...

— Tem razão, tem razão. Criançada minha, illusões, farofas que a idade cura.

Que mais? Que vôou a Paris? Está claro. Vôou, e lá está, sob o pallio da grenha astral, com a Yvonne, a passear no Bois.

Ao pae escreveu:

— Isto é que é vida! Que cidade! Que povo! Que civilisação! Vou diariamente á Sorbonne ouvir as lições do grande Doyen, e opéro em tres hospitaes. Voltarei não sei quando. Fico por cá durante os 35 contos, ou mais se o pae entender de auxiliar-me neste aperfeiçoamento de estudos.