— Vamos ao caso, que estes negrumes clamam aspectos que o povoem. E' calamidade a Shakespeare ou Ibsen?
— Assigna o meu drama um nome maior que o de Shakespeare...
— ?
— ... a Vida, a grande mestra dos Shakespeares maiores e menores.
Eduardo começou peio principio:
— O pharol é um romance. Um romance iniclado na antiguidade com fogueiras armadas nos promontorios, para norteio das embarcações a remo, e continuado seculos afóra até aos nossos possantes holophotes electricos. Emquanto subsistir no mundo o homem o romance "Pharol" não conhecerá epilogo. Monotono como as calmarias, embrecham-se nelle, a espaços, capitulos de tragedia é loucura, — gravuras pungentes de G. Doré quebrando a monotonia de um diario de bordo. O caso dos Albatrozes foi uma dellas. Gerebita metteu-se no pharol aos vinte e tres annos. E' raro isso.
— Quem é Gerebita?
— Sabel-o-ás em tempo. E' raro isso porque no geral se mettem nas torres marítimos maduros, quarentões surrados pela vida e descrentes das suas illusões. Deixar a terra na quadra verdolenza dos vinte annos é apavorante. A terra... Nós mal damos tento da nossa profunda adaptação ao meio terreno. A sua fixidez, o variegado dos aspectos, o bulicio humano, a cidade, os campos, a mulher, as arvores... Sabem os pharoleiros melhor do que ninguem o valor deseas telas..
Enlurados num bioco de pedra, tudo quanto para nós é sensação de todos os instantes nelles é saudade ou desejo. Cessam os ouvidos de ouvir a musica da terra, rumorejo de arvoredos, vozes amigas, barulho de rua, as mil e uma notas d'uma polyphonia que nós sabemos que o é, e encantadora, unicamente quando uma segregação prolongada nos ensina a lhe conhecer o rythmo. Os olhos' cessam de rever as imagens que desde a meninice lhes são habituaes. Para os ouvidos ha ali, dia e noite, entra anno, sae anno, o marulho das vagas estralando chicotadas no enrocamento da torre. Para a vista a eterna massa que onduia, ora torva, ora azul, è em cima o outro eterno azul.
Variante unica trazem-n'a as velas que passam ao largo, donalrosas como garças, ou os transatianticos pennachados de fumo.
Figura-te a vida de um homem desraigado á querencia e assim posto, qual galé, dentro duma torre de pedra grudada a um ilhéo tambem de pedra. Terá poesia de longe; perto é allucinante.
— Mas o Gerebita...
— Uma leitura de Kipling despertou-me a curiosidade de conhecer um pharol por dentro.
— "O perturbador do trafego?"