Página:Revista do Brasil, 1917, anno II, v V, n 17.pdf/60

Wikisource, a biblioteca livre
O CORVO


A' memoria de Machado de Assis — o inexcedido e Inexcedivel traductor do genial poema de Edgar Poe, consagro esta pallida paraphrase, que em nada se approxima e jámais pretendeu approximar-se da immorredoura traducção feita pelo Mestre dos Mestres.
I

Desta amarga existencia em certo, amargo dia,
A' hora da meia noite, augural e profana,
Eu, de velha doutrina, as paginas relia,
Curvo ao peso do somno e da fadiga insana.

Mal do meu pensamento a direcção seguia
Por essa hora de horror em que da treva emana,
Toda em funda hediondez, desoladora e fria,
A atra recordação, a atra saudade humana.

Foi assim que senti, do meu triste aposento,
Como um leve sussurro a passar, lento e lento,
E uma leve pancada a bater nos humbraes.

Disse commigo: alguem vem, pela noite fóra,
Em retarda visita e retarda-se agora...
A bater mansamente á porta, nada mais!...