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O CORVO

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II

O' se o recordo, e bem! numa hinvernia brava,
O rispido e glacial Dezembro decorria,
E da lareira ao chão, cada braza lançava
O supremo fulgôr da sua lenta agonia.

E eu, a esperar, em vão, a aurora que tardava,
Queria, em vão, achar nessa velha theoria
Contida no volume antigo que estudava,
Um consolo sequer á dôr que me pungia.

Em vão! consolo, em vão! á minha dôr profunda,
Em vão! repouso, em vão! á alma que se me inunda
Desta immortal saudade aos prantos immortaes.

Porque jámais se esquece alma consoladora
Como essa que nos céos é chamada Eleonora,
Nome que nunca mais ouvirei, nunca mais!

III

Ante o vago oscillar, indefinido e brando,
Das cortinas que o vento, ao leve, sacudia,
Ia-me o coração sinistramente entrando
O sombrio terror da noite erma e sombria.

Um tetrico pavôr que então desconhecia
E que me estrangulava o peito miserando,
A alma, sem compaixão, de duvidas me enchia
E pouco a pouco foi meu ser avassalando.

Emfim, para volver á ambicionada calma
E a coragem, de novo, amparar-se-me d'alma,
Repetia a mim mesmo estas palavras taes :

"Nada mais é, talvez, que retarda visita
Que vem da noite em fóra e entrada solicita!
E' visita que vem, por certo, e nada mais!..."