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O CORVO

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VI

Entrei de novo em ancia e ardendo a estranho fogo,
Senti que dentro em mim todo o meu ser ardia.
Ouvi distinctamente outra pancada, e logo,
De outra pancada o som mais claro percutia.

A essa nova impressão, volto-me e monologo:
Talvez cousa qualquer me bata á gelozia.
Certamente que sim, pois que ludibrio e jogo
Do pavor de mim mesmo, eu, certo, não seria!

Fujamos, pois, do medo ao tenebroso imperio.
Animo, coração! sondemos o mysterio,
Se bem que a noite esteja uivando aos vendavaes.

E continuando fui: Nada mais foi que o vento,
Não foi mais que o feroz, não foi mais que o violento
Sopro de furacão! Foi isso e nada mais!...

VII

Abro a janella e vejo entrar, ruidosamente,
Amplas azas batendo e ares de fidalguia,
Um magestoso corvo altivo e irreverente,
Como arauto feral da noite erma e bravia.

Sem fazer o menor signal de cortezia,
Sem um gesto siquer de hesitação prudente,
Como entraria um nobre, alta dama entraria,
Entrou e se alojou despreoccupadamente.

Vagaroso e solemne, ar indolente e farto,
Exactamente sobre a entrada de meu quarto,
Seguro abrigo achou acima dos portaes.

Esta recordação até agora me enerva:
Sobre um pallido busto antigo de Minerva,
Rigido e senhorial, postou-se, e nada mais!