Como apezar de tudo a calma conseguia
Fazer-me d'alma vir, do labio, um riso, á tona,
Chegando-me ao portal, do corvo hospedaria,
Sentei-me e recostei-me a uma antiga poltrona.
Frente á frente do corvo, a alma já me sorria
E todo entregue a mim, como quem se abandona,
Busco ancioso indagar que novas me traria
O funebre viajôr que inda hoje me emociona!
Procuro comprehender qual o escondido goso
Desse vil e sinistro arauto tenebroso
Que em dois termos resume os seus vis cabedaes,
Que os seus vis cabedaes de sciencia e de linguagem
Resume, ao exhibir-me a tetrica plumagem,
Crocitando e grasnando a phrase: Nunca mais!...
Deixo-me após ficar como quem se extasia
Entre allucinação e funda conjectura,
Ante a luz da razão e a nevoa da utopia,
Sem nada a me apoiar a mente mal segura.
Nada mais pronunciei, nem um som se me ouvia
E como a um ferro em braza, a uma horrivel tortura,
Da ave ao olhar hostil e á perfida ironia
N'alma entrou-me o terror que as almas transfigura.
Mas a um torpor de quem vagamente resona,
Recosto-me ao espaldar dessa velha poltrona,
Que eu para alli trouxera em ancias infernaes,
E vejo a luz brilhar sobre o roxo velludo
Em que por tanta vez d'Ella o semblante mudo
Brilhou, mas nunca mais brilhará! Nunca mais!