Página:Revista do Brasil, 1917, anno II, v V, n 17.pdf/67

Wikisource, a biblioteca livre
O CORVO

55

XIV

Sinto assim a envolver-me uma nuvem de incenso,
Solta de um incensorio occulto que pendia
Das invisiveis mãos de anjos que em côro extenso
Revoavam roçagando a ampla tapeçaria.

Haurindo o ar aromado e, de balsamo, denso,
De mim para mim mesmo exclamo em gritaria:
Infeliz! Infeliz! Um Deus piedoso e immenso,
Pelos anjos te manda o repouso e a alegria!

Do nepenthes é o sumo! Eil-o, bebe-o! Eil-o, esguece!
Elle é a seára do bem, do esquecimento a messe!
Nelle ouvirás a voz dos gosos celestiaes!

E' o nepenthes idéal que Deus te manda agora!
Bebe-o! Bebe-o olvidando a tua morte, Eleonora!
E o corvo crocitou de novo: — Nunca mais!

XV

Passaro ou Satanaz, ave de prophecia,
Sejas ave ou Satan, sempre has de ser propheta.
Venhas do teu inferno ou da brava hinvernia
Que naufrago te fcz, acalma esta alma inguieta.

Já que a noite exigiu, no vôo que te guia,
Que cahisses aqui, onde a angustia secreta,
Onde o secreto horror tem tecto ou moradia,
De pouco que disseste o sentido completa!

Dize-me, por quem és, se neste mundo triste,
Existe algum repouso, algum consolo existe
Para estes meus crueis soffrimentos mortaes!

Existe esse mendaz balsamo da Judéa
Que, da saudade, a dôr nos arranca da idéa?
E o corvo, inda outra vez, repetiu: Nunca mais!