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REVISTA DO BRASIL

Que alegre tintinabular me canta agora nos ouvidosi Que lyrico madrigal, cadente e argentino, vem carrilhonando estrada em fóra? Ah, é uma tropa. A' frente trota a madrinha, com um collar de campainhas por peitoral. Vem lepida, contente, estimulada pela doce musica que suas passadas ferem, orgulhosa talvez dos laços de baeta vermelha adornam, como rustica divindade de um culto primitivo. Até ao alto do pau do arrocho, enristado sobre as cargas como um conto de bandeira, ondula a flammula ridente de duas tiras escarlates. Embala-me assim a alma com as suaves toadas da minha infancia, canta-me essa velha cantiga serrana, simples e sem letra, ó doce apparição das estradas mineiras, poetica fantasia de tropeiros roidos de saudades, que se á noite descantam nos arpejos da viola as suas melancolias de eternos desterrados, de dia sentem que o jornadear é mais suave embalado pelo teu carrilhão sonoro e jovial, doce encantamento para os ouvidos, e refrigerio para a nostalgia.

E repicando festiva, com o surdo acompanhamento do patear da tropa, a agreste harmonia perde-se a distancia.

Agora a vetusta pórteira, de largos tabões horizontaes. O coice é um tronco, mal falquejado, tendo ao topo uma abertura esculpida em cruz. Ao abrir, ella emitte um rangido prolongado e sonoro; e volta silenciosa para baque poderoso sobre o moirão-batente, que retumba pelos grotões como um tiro de peça.

Não sei porquê, é grande a força emotiva destes dois sons combinados; quando os ultimos écos se calam, inda noss'alma está a vibrar, ferida profundamente em suas mais intimas cordas; e á bocca vem-nos aquelle mesmo resaibo de vaga saudade, uma melancolia de recordações longinquas; talvez porque suggerem, com a influição do meio, com a paz agreste da natureza, a lembrança de velhos fazendões semi-abandonados, onde as horas passam arrastadamente, apenas escandido o seu espesso silencio pelo baque das porteiras lá fóra, e pelo fanho bater de horas do velho relogio, alto como um armario, empertigado a um canto do immenso salão de jantar.

Como toda a porteira de antigas estradas, esta é um monumento em que collaboram a mão do homem e a da nature-