Página:Sonhos d'ouro (Volume I).djvu/11

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Os críticos, deixa-me prevenir-te, são uma casta de gente, que tem a seu cargo desdizer de tudo neste mundo. O dogma da seita é a contrariedade. Como os antigos sofistas, e os reitores da Meia Idade, seus avoengos, deleitam-se em negar a verdade.

Ao meio-dia contestam o sol; à meia-noite impugnam a escuridão. Como Heráclito, choram quando o mundo ri, ou zombam com Demócrito quando a sociedade se lamenta. Dão-se ares de senado romano, com o afã de levantar uns e abaixar outros: — parcere subjectis et debellare superbos, como disse Virgílio.

Assim, livrinho, um, ao receber-te, talvez se lembre de teres saído de uma cachola, que na véspera não se descobriu amavelmente à sua passagem e não lhe catou a devida cortesia.

Estoutro te há de acolher com soberbo gesto de enfado, aborrecido como anda de dar notícia de tantos livros de um e mesmo autor. É prudente cortar as asas ao ambicioso para que não tome conta das letras e faça monopólio do público.

Haverá ainda quem, fiel ao preceito jurídico — do ut des, te dispense o remoque ou o elogio à medida do que lhe tiver cabido; e neste ponto, coitadinho, tens muito que sofrer, pois bem sabes tu quanto é parco teu autor de fofos encômios, arranjados com epítetos que soam como as teclas de um piano.

E efetivamente outra cousa não é o instrumento de um crítico senão um piano, a menos que para alguns não degenere a cousa em cravo ou espineta. As teclas não correspondem a notas de música, mas a uns certos adjetivos, tão sovados, que já soam a marimba.

Outros críticos te esmagarão com augusto e tenebroso silêncio, verbis facundior, crentes de que te condenam à perpétua