Página:Sonhos d'ouro (Volume II).djvu/263

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atroz. Carecia de um coração amigo, com quem desabafasse. Aqui só tinha Fábio; mas com ele era profanar a minha desgraça. Lembrei-me da senhora. Talvez não devesse; mas acreditei que me havia de compreender.

— Não se enganou.

— E, não sei por que, tinha um pressentimento de que isso me havia de fazer bem: e fez. Estas poucas palavras que trocamos restituíram a calma a meu espírito. Sentia vacilar-me a razão a modo de ébrio; parecia-me que a consciência faltava-me, como a terra embaixo dos pés; e agora estou outra vez seguro de mim; perdi as ilusões e as crenças, mas conservo a possessão do eu; já não receio que uma paixão ou um vício me arrebate na correnteza como às alforrecas, que o mar lança à praia.

— Mostre-me a carta! murmurou Guida.

— Aqui a tem; eu a trouxe pensando que desejasse vê-la.

Recebeu Guida o papel com a mão trêmula, e procurou o abrigo de uma mangueira, cujo grosso tronco a escondia, para ler sem despertar a