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Transcrição e tradução integral anotada das cartas dos índios Camarões, escritas em 1645 em tupi antigo

tanto do lado dos portugueses quanto do lado dos holandeses, permitiu que essa correspondência fosse trocada entre eles. É bem conhecida a preocupação dos batavos com a alfabetização dos índios para sua evangelização (Ribas, 2018).

AS CARTAS DOS ÍNDIOS CAMARÕES: HISTÓRIA E ANÁLISE INTERNA

As seis cartas que se seguem estão entre os documentos da Companhia das Índias Ocidentais guardados na Real Biblioteca de Haia, na Holand[1]. Foram escritas entre 19 de agosto e 21 de outubro de 1645. Somente uma delas foi escrita em agosto, pouco mais de um mês após o massacre de Cunhaú. As outras cinco foram escritas todas em outubro, após o massacre de Uruaçu.

A existência de tais cartas foi revelada pelo historiador José Hygino Duarte Pereira, em 1885. Elas vêm acompanhadas de resumos em holandês feitos pelo pastor calvinista Johannes Eduards, que participou da ocupação holandesa do litoral nordestino.

Em 1906, o engenheiro baiano Theodoro Sampaio, autor de “O tupi na geografia nacional” (Sampaio, 1987), publicou na Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano um artigo intitulado “Cartas tupis dos Camarões”. No introito, Sampaio reconhece que quase nada conseguiu fazer na tradução das referidas cartas:

Confesso que só com grande dificuldade consegui entender o tupi em que foram escritas as duas primeiras cartas, as únicas em que logrei fazer alguma coisa na restauração e tradução do texto. As restantes estão ainda para mim indecifráveis. São verdadeiros enigmas (Sampaio, 1906, p. 36).

Sampaio tentou traduzir (e o fez precariamente), apoiado nos comentários em holandês do pastor Eduards, duas cartas, uma datada de 17 de outubro de 1645 (de autoria de Diogo da Costa) e outra de 21 de outubro daquele ano (de Diogo Pinheiro Camarão). Esta última foi novamente traduzida e publicada por Navarro (1998), sendo a única das seis cartas que, até hoje, tivera tradução integral.

Embora não haja menção explícita nas cartas aos morticínios de Cunhaú e de Uruaçu, cometidos pelos holandeses e seus aliados índios, é indubitável que eles ajudaram a precipitar os acontecimentos e levar ao acirramento das hostilidades.

Das seis cartas em tupi antigo, três foram escritas por Felipe Camarão. A primeira delas, datada de 19 de agosto de 1645 e dirigida a Pedro Poti, evidencia que a correspondência entre os potiguaras divididos em campos opostos já vinha acontecendo. Ele inicia sua missiva escrevendo que “. . . enviava de novo suas palavras . . .”. Tal carta foi escrita um dia depois da tomada do forte de Serinhaém, na costa pernambucana, ocorrida nos dias 17 e 18 de agosto de 1645. As duas outras cartas de Felipe Camarão foram escritas em 4 de outubro de 1645, uma novamente para Pedro Poti e a outra para Antônio Paraupaba. Conforme diz o missivista, o portador da carta escrita em 19 de agosto foi assassinado a mando de Pedro Poti. As duas cartas de 4 de outubro, que levam a assinatura do capitão-mor Antônio Felipe Camarão, têm a mesma letra, mas que não é aquela da carta escrita em 19 de agosto. Fica evidente que houve ao menos uma carta ditada pelo capitão-mor e escrita por outra pessoa.

Das três outras cartas, todas de outubro de 1645, uma foi escrita por um irmão legítimo de Pedro Poti, Diogo da Costa, que também foi o portador das duas cartas de Felipe Camarão ora mencionadas. Com tal iniciativa, mandando um irmão de Pedro Poti levar as cartas, Felipe Camarão tentava evitar um novo assassinato de seu portador no campo inimigo holandês.

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  1. Ver as referências bibliográficas ao final do artigo.