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Transcrição e tradução integral anotada das cartas dos índios Camarões, escritas em 1645 em tupi antigo

de tais cartas o máximo de informações linguísticas, o que torna centrais as questões formais e a análise da estrutura dos textos na presente tradução desses preciosos manuscritos. É preciso considerar, ademais, que seus autores eram todos bilíngues e que o contato dos potiguaras com os europeus já datava de mais de 140 anos. Assim sendo, verificar nessas cartas as influências do português sobre o tupi antigo torna-se ponto fundamental, o que coloca questões formais no centro de nossas discussões.

Os autores das cartas eram índios católicos, alfabetizados em português, com contato de décadas com os colonizadores. Sua cultura tradicional, assim, quase não aparece em seus textos, o que põe de lado questões de domesticação tradutória, as quais não se apresentam importantes aqui.


Carta 1 - de Felipe Camarão a Pedro Poti, de 19 de agosto de 1645 (Figura 1)

TRADUÇÃO

Envio minhas palavras novamente a todos vocês, meus filhos. Mando-lhes determinações novamente, por os amar de fato. Por quê? Por ser eu, na verdade, o pai verdadeiro de todos, para que vocês não percam sua salvação.

Isto não é bom em nossa terra, e vocês se desgraçam muitíssimo com seus atos, longe de mim, em sua condição de cristãos. Dirijo estas minhas palavras de novo para salvá-los do pecado.

Portanto, que todos vocês reconheçam o remédio que lhes mando. Estou pronto para fazer tudo por vocês.

Esta guerra é muito dolorosa para mim, por causa das coisas más que vocês fizeram, e eu não tenho pena de vocês.

Por que faço guerra com gente de nosso sangue, se vocês são os verdadeiros habitantes desta terra? Será que falta compaixão para com nossa gente? Ora, já duas vezes em luta?

Os homens maus, potiguaras que lutavam contra nós, morreram todos em Serinhaém. Todos os que ajudavam os homens maus morreram na batalha ontem, lamentavelmente. Os que lutaram com os homens maus para sua própria desonra, todos eles pereceram por nossas mãos. Hoje não se poupou a vida deles. Por que isso, se eles são os habitantes verdadeiros desta terra?

Vocês conhecem bem os portugueses por todas as coisas más que vocês fazem, mas vocês rejeitaram toda a culpa, então, para se livrarem desta.

Vejam que eu lhes indico novamente o que vocês devem fazer, as determinações a seguir, para que vocês não tenham dificuldades com os homens maus se eles maltratarem vocês entre si.

A saída de vocês do meio deles será algo mais que um simples abalo de gente ruim e vocês ficarão com medo.

Muitos comandantes morrerão, homens ruins, por nossas mãos. Ontem prendemos mais quatro chefes e toda a sua família em que confiavam. Capturamos a metade dos quatrocentos subordinados deles. Alguns morreram com eles por nossas mãos. Morreu o capitão André de Souza Biobi, o capitão Mateus Monteiro, o capitão Gaspar Ijibaquajiribã e também todos os seus melhores subordinados.

Não pensem que se poupa a vida dos potiguaras (da gente nossa) por esses terem sido feitos chefes. Não pensem que os homens maus livram vocês de nós. Somente a vida deles é poupada. E por que, se eles são estrangeiros?

Portanto, evitem que mais índios sejam atraídos de novo, e que fiquem sendo companheiros de guerra dos homens maus em suas ações futuras. Não quero mais, de jeito nenhum, a morte de vocês. Portanto, venham vocês todos ao meu encontro, recolhendo-se junto a mim.

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