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— Pois asseguro-te eu, sem menospreço do teu engenho, que tal conferencia, ouvida por um pharoleiro, poria o homem de olho parvo, a dizer como o outro: se percebo, sebo!

— Acredito. E entenderia melhor a tua séca? — retorqui abespinhado.

— E’ de crer. Já vivi uma temporada inesquecivel no pharol dos Albatrozes, e falaria de cadeira.

— Viveste em pharol! — exclamei com espanto.

— E lá fui comparsa n'uma tragedia nocturna de arrepiar cabellos. O escuro desta noite evoca-me o tremendo drama…

Estavamos ambos de bruços na amurada do "Orion", em hora propicia ao esbagoar d'um dramalhão inedito. Esporeado na curiosidade, provoquei-o:

— Vamos ao caso, que estes negrumes clamam espectros que o povoem. E' calamidade á Shakespeare ou á Ibsen?

— Assigna o meu drama um nome maior que o de Shakespeare…

— ???

— …a Vida, a grande mestra dos Shakespeares maiores e menores.

Eduardo começou do principio.

— O pharol é um romance. Um romance iniciado na antiguidade, com fogueiras armadas nos promontorios, para norteio das embarcações de remo, e continuado seculos em fóra até nossos possantes holophotes electricos. Emquanto subsistir no mundo o homem, o romance "Pharol" não conhecerá epilogo. Monotono como as calmarias, embrecham-se nelle, a espaços, capitulos de tragedia e loucura — gravuras pungentes de Doré quebrando a monotonia de um