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N’um certo dia reprehendi a preguiça d’um d’elles, fórte e valente, que me fora dado por um Tupinambá, e elle para minha advertencia me deo a seguinte resposta, embora branda (bem sei o que é necessario observar para com esta nação, que as reprehensões consideram como chagas e feridas, e aos castigos preferem a morte,[NCH 31] e por esta forma desejam antes morrer com honra, segundo dizem, no meio das assembleias, como ja muito bem descreveo o Padre Claudio d’Abbeville): eil-a «na guerra não me pozeste a mão sobre a espadua,[NCH 32] como fez aquelle que me deo a ti para agora me reprehenderes.» Nasceo-me logo a curiosidade de saber por intermedio do meu interprete o que elle queria dizer, e então fiquei sciente de ser uma ceremonia de guerra entre estas nações, quando um é prisioneiro do outro, bater-lhe este com a mão sobre a espadua e dizer-lhe — faço-te meo escravo — e desde então este infeliz captivo, por maior que seja entre os seos, se reconhece escravo e vencido, acompanha o vencedor, serve-o fielmente sem que seo senhor ande vigiando-o, tendo liberdade para andar por onde quiser, só fazendo o que fôr de sua vontade, e de ordinario casa-se com a filha ou a irmã do seo senhor, e assim vive até o dia em que deve ser morto e comido, o que não se pratica mais em Maranhão, Tapuitapera e em Cumã, e só raras vezes em Caieté.

Estas nações me despertaram a lembrança do que li outr’ora nos livros sagrados e na Historia dos Romanos, quando procediam ao captiveiro dos prisioneiros, e para bem entender-se bom é notar-se, que foram as ceremonias externas inventadas para representarem com sinceridade as affeições do interior: por exemplo, dobrar o joelho, beijar a mão, descubrir a cabeça, quando saudamos alguem, que estimamos, são outros tantos testemunhos de apreço interno em que o temos: outr’ora as espadas tinham hierogliphos representando o mysterio occulto das acções internas e externas dos homens.