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«É elle, que me hade sustentar na velhice: sempre foi amigo dos francezes, e quando algum vae a minha aldeia, chama logo os seos cães, e vae caçar cotias e as pacas para elle comer.

«Fez a cása dos Padres, e assevera-me que elles o protegem.

«Sempre foi muito obediente á sua madrasta, que o ama como si fosse seo proprio filho: seo irmão, que sem querer, elle matou, era mau, não estimava os Francezes, nunca lhes deo coisa alguma, não ia á caça para elles, aborrecia sua madrasta, e muitas vezes a zangava: quando morreo, estava bebado, e veio tomar a mulher do seo irmão, e arrancando o filho, que ella tinha ao collo, atirou o menino para um lado e a mãe para outro, dando-lhe bofetadas, embora estivesse grávida, na minha presença e á vista do seo marido, e tudo soffremos com paciencia; porem vindo agarrar seo irmão para espancal-o, ferio-se no ventre com as flechas, que elle trasia na mão e assim morreo.

«Porque perderei eu meos dois filhos, de uma só vez, e já na minha velhice?

«Si queres mandar matar o unico que tenho, mata-me primeiro, e depois a elle. Elle te dá sua canoa para a pescaria e seos escravos para te servirem.»

Admirou o Sr. de Pezieux este discurso, como depois me disse e por muitas vezes, e o referio á diversas pessoas, admirando-se de ver tão bella Rhetorica na bocca de um selvagem.

Previno-vos, que represento todos estes discursos e supplicas o mais sinceramente que me foi possivel, sem o emprego de artificio algum.

Respondeo o Sr. de Pezieux dizendo ser grande crime um irmão matar outro, mas como elle asseverava ter sido antes por culpa do fallecido do que pela do vivo, perdoava a rogo dos Padres, a quem nada queria recusar, e assegurou-lhe logo que seo filho nada soffreria, que acceitava a canoa e os escravos, porem que tudo isto lhe offerecia para o arrimo