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Replicaram-me: porque nos compraes o que cresce em nosso paiz a troco de vestidos vermelhos, amarellos e verde-gaios? Eu os satisfiz dizendo ser necessario misturar outras cores com as do seo paiz para tingir panos.

Si me disserdes, que elles fazem acções inteiramente brutaes, como as de comer seos inimigos, e praticar tudo que os offenda, como seja expol-os em lugares onde ha piolhos, vermes, espinhos, etc., eu vos responderei não provir isto de falta de juiso, porem sim de um erro hereditario, sempre existente entre elles, por pensarem, que sua honra depende de vingança: parece-me, que tambem não é desculpavel o erro dos nossos francezes de se matarem em duello, e comtudo vemos os mais bellos espiritos, e os primeiros da nobreza concordarem com este erro, despresando a Lei de Deos, e arriscando a eternidade de sua salvação.

Quanto a memoria elles a possuem muito feliz, porque lembram-se sempre do que viram e ouviram com todas as circumstancias do lugar, do tempo, das pessoas, quando o caso se disse ou se executou, fazendo uma geographia ou descripção natural com a ponta de seos dedos na areia, do que estão contando.

O que mais me admirou foi vel-os narrar tudo quanto se ha passado desde tempos immemoriaes, somente por tradicção, porque tem por costume os velhos contar diante dos moços quem foram seos avós e antepassados, e o que se passou no tempo d’elles: fazem isto na casa grande, algumas vezes nas suas residencias particulares, acordando muito cedo, e convidando gente para ouvil-os, e o mesmo fazem quando se vesitam, porque abraçando-se com amisade, e chorando, contam um ao outro, palavra por palavra quem foram seos avós e ante-passados, e o que se passou no tempo em que viveram.