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e nos braços, uns o vestem com um capote, outros lhe dão um chapeo, si o ha, trasem-lhe o massinho de petum[NCH 48], seo arco, frexas, machados, foices, fogo, agoa, farinha, carne e peixe e o que em vida elle mais apreciava.

Faziam depois um buraco fundo e redondo em fórma de poço: assentavam o morto sobre seos calcanhares conforme era o seo costume, e á cova desciam-no de mansinho[NCH 49] accommodando ao redor d’elle a farinha, a agoa, a carne, o peixe e ao lado de sua mão direita afim de poder pegar em tudo com facilidade e na esquerda arrumavam os machados, as foices, os arcos e as flexas.

Ao lado d’elle faziam um buraco, onde accendiam fogo com lenha bem secca afim de não apagar-se, e despedindo-se d’elle o incumbiam de dar muitas lembranças á seos paes, avós e amigos, que dançavam nas montanhas, alem dos Andes, onde julgam ir todos depois de mortos.

Uns dão-lhe presentes para levarem a seos amigos, e outros lhe recommendam, entre varias coisas, muito animo no decorrer da viagem, que não deixem o fogo apagar-se, que não passem pela terra dos inimigos, e que nunca se esqueçam de seos machados e foices quando dormirem n’algum lugar.

Cobrem-no depois pouco á pouco com terra, e ficam ainda por algum tempo junto á cova, chorando-o muito e dizendo-lhe adeos: de vez em quando ahi voltam as mulheres ora de dia ora de noite, choram muito e perguntam á sepultura, se elle ja partio.

A proposito contarei tres historias interessantes.

Enterraram um bom velho em distancia de 50 passos de minha casa. Dia e noite consumiam-me as velhas com seos choros.

Para adquirir socego lembrei-me de mandar esconder n’uma moita em caminho, perto da cova, dois rapazes francezes, que commigo moravam. Mais adiante mandei tambem esconder dois escravos nossos, a quem ensinei o que deviam fazer.