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quanto era infundado o seo receio, dizendo então muito bem dos francezes.

Elle, sua mulher, e alguns parentes acompanharam uma barca, que ia da Ilha para o Pará em busca dos generos do paiz, ahi mui preciosos.

Quiz a infelicidade que, no regresso para a Ilha, naufragasse a canôa por estar muito pesada duas legoas longe da terra.

Despresaram todas as riquezas, procurando salvarem-se agarrados a um pedaço da escotilha, a uma taboa, ou ao bote.

Esperou o Arraia grande, que todos procurassem meios de salvarem-se, e afinal elle, sua mulher, e um interprete francez si puzeram a nadar animando elle a todos com estas palavras — «a morte é invejosa, vêde como atira estas ondas sobre a nossa cabeça afim de nos arremeçar no abysmo, mostremos-lhe que somos ainda fortes e valentes, e que não é chegado o tempo de nos levar.»

Salvaram-se todos em varias ilhas não habitadas, excepto um francez, victima de tubarões.[NCH 51]

Vendo o Arraia grande os francezes nús e famintos, em lugares estereis e cercados de mar, atirou-se ás ondas, a nado atravessou grande espaço cheio de mangue desembaraçando-se á muito custo das raizes destas arvores, e do tujuco onde as vezes se enterrava até o pescoço.

Chegando a aldeia dos seos similhantes animou-os a virem com algumas canoas, vestidos e viveres, e depois que todos regressaram ás aldeias defronte do lugar do naufragio, elle lhes entregou tudo quanto haviam perdido, e que o mar tinha atirado ás praias.

Outr’ora este indio, n’um navio de São Maló, veio a França, onde se demorou um anno pouco mais ou menos, e em tão pouco tempo aprendeo a fallar francez, e ainda hoje se fazia entender bem, embora ja se houvessem passado muitos annos, e tem tão bom juiso e memoria que ainda hoje conta varias particularidades, que la existem.