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Caruatapyran, um dos Principaes de Comã, trouxe-me um d’esses machados de pedra, ainda tinto de sangue, com alguns cabellos adherentes, e com um pouco do cerebro do Principal Íanuaran, que com elle foi morto, o que se soube por ser encontrado sobre seo corpo.

Caruatapyran pegando um d’esses machados, feito em fórma de crescente, ensinou-me o que eu não sabia, dizendo-me terem os Tremembés o costume mensal de vellar toda a noite fazendo seos machados até ficarem perfeitos, em virtude da superstição, que nutriam, de que indo para a guerra armados com taes instrumentos nunca seriam vencidos, e sim sempre vencedores.

Em quanto os homens e as mulheres se entregavam a este trabalho dançavam as moças e os meninos a frente das choupanas ao luar do crescente.

São valentes os Tremembés e temidos pelos Tupinambás; d’estatura regular, mais vagamundos do que estaveis em suas moradias: alimentam-se ordinariamente de peixes, porem vão á caça quando lhes apraz: não gostam de fazer hortas, e nem casas: moram debaixo das choupanas; preferem as planicies ás florestas porque com um simples olhar descobrem tudo quanto está ás suas vistas.

Não conduzem após si muita bagagem, pois contentam-se com seos arcos, flexas, machados, um pouco de cauï, algumas cabaças[NCH 62] para guardar agoa, e umas panellas para cozinhar a comida: com mais destresa que os Tupinambás pescam á flexa: são tão robustos a ponto de segurarem pelo braço um dos seos inimigos e atirarem-no ao chão, como se fosse um capão. Dormem n’areia ordinariamente.

Servem-se d’este lugar de areias brancas, e de arvores seccas para agarrar os Tupinambás, como ratoeira para pilhar ratos, e isto por tres razões.

A primeira, por causa da pesca, ahi abundante e variada.

A segunda, por causa de uma floresta, onde os passaros vermelhos de todas as partes vem fazer ninho para desovar.