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lugar recondito, e pouco frequentado dos homens o quanto é possivel: ahi põem, e deixam seos filhos, vão para o mar, e ahi ficam por todo o dia enchendo de peixe uma grande bolsa, que trasem debaixo da goela, e que depois levam a seos filhos: quando está vasia esta bolsa, enche-se de vento que os alivia e sustenta no meio do ar, quando passam muitos dias e noites sem ir a terra, e atiram-se pelo mar em distancia de 50 a 60 legoas procurando alimentos.

Tem a vista extraordinariamente apurada a ponto de verem do mais alto lugar, a que sobem, o peixe que náda no mar, e sobre elle cahem e agarram-no. Tem uma propriedade muito boa e é que perseguem os peixes, que andam atraz dos pequenos para devoral-os.

Aproximam-se d’agoa, e como querem participar da presa, perseguem-nos o quanto podem.

Alem destes passaros grandes ha milhares de passarinhos, entre os quaes merecem especial menção os seguintes.

As andorinhas do mar em tão grande quantidade, que cobrem as praias nas vasantes: são boas para se comer, e á vontade matareis muitas com uma arma, carregada de chumbo miudo, e sentado n’uma canoa.

Ha outra qualidade de passaros, que admiram muito a ponto de não se acreditar, e comtudo é verdade, por mim experimentada, os quaes tem por bico duas facas, embutidas em seos cabos, e aos quaes dão o nome de navalhas: o bico não lhes serve para buscar alimento, e por isso dizem que elles só vivem de vento, porque essas facas cortantes não lhes servem senão de passatempo quando passeiam pelas praias, e encontram outros passaros, que são por elles cortados pelo meio.

No dia, em que parti do Maranhão, um mancebo pertencente ao Sr. de Sam Vicente, que me acompanhou em toda a minha viagem, matou um, cujo bico guardei e trouxe para a França.