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CAPITULO V

De um Indio, condemnado á morte, que pedio o baptismo antes de morrer.


Não se acreditaria, si a experiencia não o tivesse confirmado, que vendo-se simplesmente por fora a concha de uma ostra marinha coberta e suja de lama e lodo, que ella em si ja tivesse uma perola preciosa digna de ser collocada no gabinete dos principes.

Quem poderá crer, que um selvagem iniquo, impuro, e immundo, como não posso dizer, embora creia que o proprio diabo, author de taes traças, se envergonhe d’isto, não tenha inimisade e soberba contra o soberano, que o tira d’isto?

Quem poderá, digo eu, crer, que tal individuo, por determinação da divina Providencia, fosse escolhido para o reino do Ceo, e tirado d’esses abysmos infernaes, para receber (na hora da morte, bem merecidas por suas torpezas) o sagrado baptismo, que o lava de todas as máculas, e lhe proporciona facil e franca entrada no Paraiso?

Um pobre indio, bruto, mais cavallo do que homem, fugio para o matto por ouvir dizer, que os francezes o procuravam e aos seos similhantes para matal-os e purificar a terra de suas maldades por meio da santidade do Evangelho, da candura, da puresa, e da claresa da Religião Catholica Apostolica Romana.

Apenas foi apanhado amarraram-no, e trouxeram-no com segurança ao Forte de Sam Luiz, onde deitaram-lhe ferros aos pés: vigiaram-no bem até que chegassem os principaes de outras aldeias para assistirem ao seo processo, e proferirem sua sentença, como fizeram a final.

Não esperou o prisioneiro pelo principio do processo, e elle mesmo sentenciou-se, porque diante de todos disse, «vou morrer, e bem o mereço, porem desejo que igual fim tenham os meos cumplices.»