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Os francezes, que isto me contaram, tiveram desejos de espiar o que fazia esta feiticeira, porem os selvagens os embaraçaram o mais que poderam, asseverando-lhes serem perigosos e maus os espiritos d’esta mulher, de fórma que na seguinte noite torceriam o pescoço de quem os espiasse.

Zombaram os francezes, e foram de muito boa vontade á essa casa, com grande admiração dos selvagens, que os julgavam atrevidos e presumpçosos, e fazendo um buraco na parede de palha viram as gesticulações d’essa mulher e notaram não sei que de monstruoso ao redor d’ella, não podendo destinguir o que era, e assim se retiraram.

Em quanto estive doente, muitas pessoas me fallaram d’esta desgraçada creatura com grandes gabos e estima, como infallivel em dar saude aos que lh’a pediam. Bem podeis calcular si me agradavam taes palavras.

Fallaram-me tambem de certos barbeiros d’aquelles paizes, que habitavam em choupanas nos bosques, onde iam consultar seos espiritos.

Na verdade, é frequente na Ilha e nos paizes visinhos edificarem os feiticeiros pequenas choupanas de palha em lugares longinquos nos mattos: ahi collocam pequenos idolos de cera ou de madeira em forma humana,[NCH 102] uns maiores, outros menores, porem os maiores não tem mais que um covado. Ali em certos dias vão elles levando comsigo fogo, agoa, carne ou peixe, farinha, milho, legumes, pennas de côr e flôres. D’estas carnes fazem uma especie de sacrificio a esses idolos queimam resinas cheirosas, enfeitam-nos com pennas e flores, e ahi se demoram muito tempo sosinhos: crê-se que era a communicação d’estes espiritos.

Crescia este mau costume, e estendia-se as aldeias visinhas de Juniparan, onde morava o Revd. Padre Arsenio a ponto d’elle encontrar estes idolos de cera na visinhança dos bosques e algumas vezes nas proprias casas.

Livrou-se d’elles por meio d’exorcismos, que fez em sua Capella contra estes diabos tão insolentes como atrevidos, e depois não ouvi mais fallar n’isto.