Considerae agora a presumpção de Satanaz, que em todos os lugares, e em todas as nações, quando póde, se faz conhecido por alguma especie de adoração e sacrificio por saber, que nenhuma religião boa ou má, pode existir sem algum sacrificio e representação da coisa adorada.
Eis porque elle inventou os idolos em lugar das verdadeiras imagens, que Deos mandou levantar no tabernaculo, e depois no templo de Salomão.
Em vez dos verdadeiros sacrificios, que Deos estabelecia na sua lei, procurou este espirito soberbo ter altares e sacrificios de toda a especie de animaes e fructos da terra.
Comquanto esta nação de selvagens não tivesse perante o publico algumas ceremonias de religião, nem préces e nem orações, comtudo em particular estes feiticeiros serviam ao diabo, como ja disse.
Para acabar, direi que acreditavam estas pessoas em espiritos particulares, até mesmo francezes.
Vou dar-vos exemplos.
Quando o Sr. de la Ravardiere, depois da guerra dos Camarapins, regressava do Pará, advertio-lhe uma mulher que fora resolvida a sua morte, bem como a de todos os francezes e Tupinambás, que o acompanhavam, pelos selvagens d’aldeia, onde estava alojado.
Fez-se tudo quanto foi possivel para descobrir-se a verdade, porem todos negaram e nada confessaram.
Fizeram crer aos selvagens d’aquelles lugares, que no relogio d’algibeira, que trasia o Sr. de la Ravardiere, havia um espirito escondido, que dava movimento ao que se via por dentro e por fóra, e que aos francezes revellava as coisas mais secretas.
Fez-se vir ao chefe, ao qual se disse, que se o ponteiro do relogio chegasse a tal ponto do quadrante, que fallava a verdade o espirito, e por isso acrescentaram — leva-o comtigo e guarda-o até ahi chegar o ponteiro, e vem antes do nosso espirito e conta-nos tudo.