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Ah! quem pode assegurar-me a vida até a noite?

Agora volto para minha aldeia, posso encontrar uma onça furiosa, que me corte a garganta, e me mate sosinho no bosque.

Para onde irá meo espirito?

Não tenho pesar e nem inveja, que meo filho, que aqui está, se baptisasse primeiro do que eu.

Mas dize-me: não é coisa notavel, que elle seja Filho de Deos antes de mim, seo pae, e que eu d’elle aprenda o que devia ensinar-lhe?

Penso n’isto, e torno a pensar muitas vezes, principalmente depois da vossa vinda, e da de outros padres: lembro-me da crueldade de Jeropary para com a nossa nação, porque tem feito morrer a todos, e persuadio a nossos feiticeiros de conduzir-nos ao centro de uma floresta desconhecida, onde dançariamos constantemente, alimentando-nos somente do amago das palmeiras e da caça, succumbindo muitos por fraqueza e debilidade.

Sahindo nós de lá, e vindo nos navios do Muruuichaue la Ravardiere para a ilha do Maranhão, armou-nos Jeropary outra emboscada, instigando por meio de um francez aos Tupinambás para matarem e comerem muita gente nossa: si não é a vossa chegada acabariam comnosco.

Ja vedes, que somos muito infelizes n’esta vida.

Perseguimos os veados e outros bixos para matal-os e comel-os, porem elles não necessitam de ferramentas, de fogo e nem de canoas, pois acham a comida feita: quando perseguidos n’um lugar, em poucas horas transportam-se para outro atravessando até braços de mar, sem canôa: nós outros porem não podemos fazer o mesmo: faltam-nos ferramentas, fogo e canoas, e o que é mais, vem ainda perseguir-nos nossos inimigos, ora os Peros, ora os Tupinambás, e finalmente outras nações adversarias: finalmente a nossa posição é peior do que a dos animaes da terra. —

Respondi-lhe: «O que disseste, é bem certo, porque o diabo o que deseja somente é matar o corpo e perder a alma,