Página:Vida e morte de M J Gonzaga de Sá (1919).djvu/155

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De mim tinha fugido o desassossego que sucedera ao torpor da manhã; e o meu companheiro tinha a fisionomia mais composta, o olhar quieto. Estava calmo, embora triste. Levantara o chapéu no alto da cabeça e se pusera a traçar, com a ponta da bengala, na areia, uma figura grosseira... Parecia o esboço de um rosto... Do outro lado, pela alameda que corria defronte do botequim, víamos agitar-se, aos impulsos de energias acumuladas durante a semana, uma multidão policrômica; e, ali, separados dela, silenciosos e inertes às forças que a moviam, nós estávamos como fora da humanidade, como entes de outra estrutura, sem nada de comum com eles. O grande relvado circular que dividia as duas alamedas, com o seu repuxo ao centro, marcava o limite entre dois meios fluidos, próprios à vida deles e à nossa. Víamo-los como o passageiro vê os peixes, da borda do navio, através das águas prateadas. Eu me demorava espreitando um casal que se abraçava um pouco longe de nós, quando Gonzaga de Sá me perguntou:

— Sabes porque o fiscal dos bondes fiscaliza o condutor?

A pergunta me pareceu pueril, a menos que não contivesse uma troça insignificante.