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Parnaso mariano (1890)/Poesias/XLV: A Nossa Senhora

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XLV


A NOSSA SENHORA


CANÇÃO


I

Virgem formosa que achastes a graça
Perdida antes por Eva, onde não chega
O fraco entendimento, chegue a fé.
Coitada d’esta nossa vista cega
Que anda apalpando pela nevoa baça
E busca o que, ante si tendo, não vè!
Sem saber atinar como ou porquê
Entrei pelos perigos,
Rodeado de imigos:
Por piedade a vós venho, e por mercê;
Vós que nos destes claro a tanto escuro,
Remedio a tanta mingua,
Me dareis lingua e coração seguro.

II

Virgem toda sem magua, inteira e pura,
Sem sombra nem d’aquella culpa herdada
Por todos até o fim des o começo,
Claridade do sol nunca turbada,
Sanctissima e perfeita creatura,
Ante quem de mim fujo e me aborreço,
Hei medo a quanto fiz, sei que mereço!
Dos meus erros me espanto
Que me aprouveram tanto,
E agora á só lembrança desfalleço,

Mas lembra-me porém que vós fizestes
Paz entre Deus e nós,
E a quem por vós chamou sempre a mão destes.

III

Virgem, seguro porto e amparo e abrigo
As móres tempestades; ah que tinha
Aos ventos esta vida encommendada
Sem olhar a que parte ia ou vinha,
Vãmente descuidado do perigo,
Surdo aos conselhos, tudo tendo em nada,
Não vos seja em desprezo esta coitada
Alma que ante vós vem,
Por rezões que tem,
De imigos grandes mal ameaçada.
E que eu tão peccador e errado seja,
Vença vossa piedade
Minha maldade grande e assi sobeja.

IV

Virgem, do mar estrella, neste lago
E nesta noite um pharo que nos guia,
Para o porto seguro um certo norte;
Quem sem vos atinar, quem poderia
Abrir sómente os olhos, vendo o estrago
Que atraz olhando deixa feito a morte?
Quem proa me daria com que corte
Por tão brava tormenta?
De toda a parte venta,
De toda espanta o tempo feio e forte.
Mas tudo que será? Co’a vossa ajuda
Nevoa que foge ao vento
Que num momento s’alevanta e muda.

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VI

Virgem e madre juntamente, quem
Tal nunca ouviu nem d’antes nem despois
Senão em vós? quem foi o que o entendeu?

Vós madre e filha, vós esposa sois
D’aquelle que apertado ao peito tem
Os vossos braços sanctos, outro céo.
Na vossa alta humildade se venceu
O soberbo tyranno
Que com inveja e engano
Nos fez tão perigosa e longa guerra:
Em mulher começou tal damno nosso;
Quem nos restituiu,
De vós sahiu, Senhora: o preço é vosso!

VII

Virgem, nossa esperança, um alto poço
De vivas aguas, donde a graça corre
Em que se matam para sempre as sedes;
Não de Nembroth, mas de David a torre,
Donde soccorro espero ao meu destroço,
Assi tão perseguido como vèdes,
D’entre tão altas, tão grossas paredes,
De ferro carregado,
Um coração coitado
Chama por vós involto em bastas redes.
Esse que eu sou, signaes inda alguns tenho
De ser do vosso bando,
Que a vós bradando por piedade venho.

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XI

Virgem das virgens, como o tempo voa!
Quem sabe quanto avança
Nossa certa esperança!
Quanto suspiro a toda a parte soa,
Quantas lagrimas cahem mal derramadas!
Mas, posto de giolhos,
A vós os olhos: tudo o mais são nadas.

Sá de Miranda.