Peregrinaçam/XI
AQuelle meſmo dia, q̃ para os noſſos foy bem triſte, ſe fez alardo da gente, para ſe ſaber o que tinha cuſtado o cometimento da tranqueira, & ſe acharaõ dos oitenta ſoldados os quinze mortos, & cinquenta & quatro feridos, dos quais os noue ficaraõ deſpois aleijados. E tudo o mais que reſtauado dia & da noite ſeguinte, ſe paſſou eom aſſaz de trabalho, & com boa vigia. Tanto que foy menham a Raynha mandou viſitar o Capitão mór com hum grande çauguate de muytas galinhas, & ſrãgaõs, & ouos, que elle não quiz aceitar, mas moſtrandoſe muyto colerico contra ella, ſoltou algũas palauras quiça mais aſperas do que parecia razão, & diſſe que o ſenhor Viſorrey ſaberia muyto cedo quão ſeruidora ella era del Rey de Portugal, & quanto elle lhe deuia por iſſo, para lho pagar a ſeu tempo, & que para ella ficar certa que auia de ſer afsi iſto que lhe dizia, lhe deixaua aly em penhor ſeu filho morto, com todos os mais que ella manhoſamẽte fizera matar, co ſauor & ajuda que dera aos Turcos, & então lhe daria as graças por aquelle preſente que lhe mandaua para diſfimulação do que tinha feyto. Deſpidido o menſageiro com eſta repoſta, & quaſi aſſombrado dos ſèros & juramentos com que o Capitão mòr retificou algũas vezes iſto que lhe diſſera, chegou onde a Raynha eſtaua, & lhe encareceo a repoſta que trazia de tal maneyra, que a fez ter para ſy que por cauſa deſta Galê ſem duuida perderia muyto cedo o ſeu reyno, pelo qual lhe era muyto neceſſario trabalhar todo o poſsiuel, por não ficar de quebra co Capitão mòr. E tomando ſobre eſte caſo conſelho cos ſeus, lhe tornou logo a mandar outro recado por hũ Bramene muyto ſeu parente, & homem ja de dias, & de aſpeito graue & autorizado, o qual foy bem recebido do Capitão mór, & deſpois de fazerem ſuas cerimonias de honra & corteſia lhe diſſe o Bramene. Se me deres, ſenhor, licẽça para que falle, abrirey minha boca diante de tua preſença, & da parte da Raynha minha ſenhora te direy o a q̃ venho. O Capitão mòr lhe reſpondeo q̃ os embaixadores tinhão ſeiguro para ſuas peſſoas, & licẽça para dizerem liuremente o a q̃ eraõ mandados, pelo que ſem nenhũ receyo podia falar o q̃ quiſeſſe. O Bramene lhe deu por iſſo ſeus agradecimentos, & lhe diſſe. Dizerte ſenhor Capitão quão aigaſtada & triſte eſtá a Raynha pela morte de teu filho, & dos mais Portugueſes que na peleja
de ontem morreraõ, ſerà couſa impoſsiuel, porque afirmadamente te juro por vida ſua, & por eſta linha de Bramene que profeſſey de pequeno, que tão afrontada ficou quãdo ſoube do teu deſaſtre, & deſauenturado ſucceſſo, como ſe o dia de oje lhe fizeraõ comer carne de vaca na porta principal do pagode onde ſeu pay jaz enterrado, & por aquy ſenhor julgaras quanta parte tem no teu nojo, mas ja que no feito não pode auer o remedio que el.la deſeja, te pede & roga, que de nouo lhe confirmes as pazes que os Gouernadores paſſados lhe concederão, pois trazes poder do ſenhor Viſorrey para iſſo, & que ella te fica, & te dà ſua palaura de mandar logo queimar a Galè, & aos Turcos que ſe vão ſora da ſua terra, porque para o mais, como tu ſabes, não he ella poderoſa , & iſto logo em termo de ſós quatro dias, que para iſſo te pede de eſpaço. O Capitão mór entendendo quão importante couſa eſta era, lhe aceitou a promeſſa, & lhe concedeo de nouo as pazes, as quais juradas aly logo & confirmadas de ambas as partes com as cerimonias coſtumadas entre aquelles Gentios, a Raynha buſcou todos os meyos poſsiueis para cumprir ſua palaura, mas por ſe não poder eſperar o termo dos qiiatro dias que a Raynha pedira, pelo perigo dos muytos feridos que auia na armada, o Capitão mór ſe partio logo neſte meſmo dia à tarde, & deixou ahy na terra hum Iorge Nogueyra, peraque de tudo o que neſte caſo mais ſocedeſſe, trouxeſſe recado ao Viſorrey por lho pedir aſsi a Raynha.