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Poesias (Zaluar)/7

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POESIA VII.

 

 
A CRUZ DO VALLE.
 

Sobre o marco de pedra a crus se eleva
Como um pharol de vida, em mar de cacolhos :
Ao christão infeliz acolhe no ermo,
E consolando-o dir-lhe a patria ina
É lá no céo: — abraça-te comigo;

 

A. HerculanoHarpa do Crente.

 

Como a noite vai serena!
Doce brisa nem bafeja!
A vaga morre distante
Na praia, que apenas bêja!

Solitaria cruz do valle,
Como estás silenciosa !
No cimo c’roa de goivos,
Aos pés as folhas da rosa!

 

Como é doce contemplar-te
No firmamento gravada!
Na terra humilde chorando,
No céo d’estrellas coroada!

Qual seria a mão do triste
Que a saudade aqui deixou?
Entre rosas, — entre goivos
Suspiros d’alma arrancou ?

Talvez memoria de mãe
Legada ao filho extremoso,
Botão que a morte ceifára
De seu peito carinhoso.

Talvez só.... uma lembrança
Do cançado viajante?
Triste cantar d’amargura,
Que o vento arroja distante!

Talvez um echo de peito,
Bem profundo, — bem ardente,—
Que sentio a luz da vida
Apagar-se de repente!

 

E veio aqui n’este valle
Cahir a teus pés prostrado,
Pedir-te lhe avives a crença,
Que a lousa tinha quebrado!

E tu lhe déste conforto,
Dá-me a mim resignação!
Sanctuario d’estes campos,
Erma cruz da solidão!

 



 

Solitaria cruz do valle,
Repouso do peregrino!
Peregrino eu sou tambem,
E vago errante, e sem destino!

Tambem venho aqui sentar-me
Nos degraus do teu altar:
E ámanhã caminharei....
Que é meu fado caminhar!

Caminhar!... e sempre.... e sempre
Nas cidades, — no deserto!...
Duvidoso no presente,
No futuro sempre incerto!

Acaso não tem minha alma
Soffrido trances fataes?
Não tenho a lyra entoado
Ao cavo som de meus ais?!

O facho vivo da crença
Não senti quasi extinguir?!
Não senti os meus tormentos
Esmigalhar-me o porvir?!

Não senti por mão de ferro
O coração esmagado?!
O meu amor tão ardente,
O meu amor.... despresado?!

Mulher! — Mulher, tu rasgaste
O mais bello de meus cantos!
Sepultaste a minha esp’rança
Na torrente de meus prantos!

 

E eras um anjo? — Não eras,
Que os anjos não teem maldade,
Mate de tantos enlevos,
Mixto de tanta vaidade!

Proferio a bôcca fallaz,
O que eu não disse a ninguem,
Eras um astro d’esp’rança,
De formosura tambem!

Nos teus olhos côr da noite
Quem não via a luz do céo?
Vago lume das estrellas
A brilhar por entre um véo?!

Mas o fatal desengano
Quebrou celeste illusão;
Calcaste, rainha de um peito,
O throno do meu coração!

Venceste?!—Canta a victoria,
É tão doce o triumphar!...
Guarda p’ra ti os remorsos,
Que a mim me fica o penar.

 
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Adeus, oh! cruz solitaria,
A aurora vejo assomar!
O meu fado ha de cumprir-se....
É forçoso caminhar....

Adeus, oh! campos saudosos!
Adeus, oh cruz peregrina!
Vou vagar por esse mundo,
Vou cumprir a minha sina!

Feliz de mim se podesse
A teus pés adormecer;
Mas na terra não descança
A cruz do meu padecer.

 

Agosto de 1845.

 

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