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Poesias posthumas do Dr. Aureliano José Lessa/A’ uns annos

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A UNS ANNOS

Criserit illo, criscetes, amores.


Se é mais risonha a estação das flôres
A placidez do outomno é mais amena;
São amaveis, se diz, da aurora as côres,
Ama-se a tarde tépida e serena.

Eis-te no outomno; mas p’ra teus primôres
Flôres ainda a natureza gera;
O orvalho do céo fadou-te flôres,
E’s o outomno a par da primavera.

Tu que viste descer ainda um anno
Pela caudal torrente das idades,
Sabes que a taça do destino humano
Não se orna de jasmins, mas de saüdades.


Oh! a saüdade é filha de outros prados,
E procura nos céos a patria bella,
Refaz da vida os gyros palmilhados,
Sóbe ao seio de Deus, origem della.

E quem não sente no silencio d’alma
Uma lembrança vaga, indefinida,
De uma patria melhor, mais pura, e calma,
De uma existencia outr’ora já vivida?

A saüdade nasceu dessa lembrança,
Gravada n’alma em vaporosos traços;
Ella tambem é fonte da esperança,
Que em sonhos nos conduz de Deus aos braços.

Esperança e saüdade—eis os extremos
Desta mundana, ephemera viagem…
Não choremos um anno! não choremos
Da terra ao céo a rapida passagem!

Assim corram teus dias—tão suaves
Como a nuvem de Abril, tão deleitosos
Como de tarde o cantico das aves,
Galernos como os zephyros mimosos

Se hoje o sol doura.
Teu bello dia,
N’alma a alegria
E’ como o sol.


Ella desponta
Por entre as dôres,
Como os fulgores
Do arrebol.

Quem vê teus dias
Como eu deviso,
Desprende um riso,
Que á alma vem,

Crêar virtudes
De envolta em flôres,
Eis teus amôres,
Eis o teu bem

Eu amo as flores,
Amo a virtude,
Meu canto rude
Sabe-as cantar.

Se a voz que entôo,
Não tem encanto,
Vem d’alma o canto,
Pois sei amar.