Poesias posthumas do Dr. Aureliano José Lessa/A…
Teus olhos são noite escura,
Onde sorrindo fulgura
Um raio da luz do céo;
Nelles tu’alma diviso,
Como vejo o paraïso
No cris do nocturno véo.
Mas teus labios, onde mora
O sorriso e a côr da aurora,
Encantos tem sem igual;
Se és no olhar a noite escura,
E’s nos labios a pintura
De uma aurora boreal.
Eu amo esses negros olhos
Que revelam d’alma os fôlhos
Com virginal isenção;
Que sorriem, que se inflamam,
Que proferem, quando amam
Linguagens do coração.
Mas a palavra sahida
Pelos labios tem mais vida,
Mais fragrancia e mais ardor,
Como sahe mais viva a essencia
Na risonha florescencia
Do casto seio da flôr.
Eu amo esses labios, quando
Fechados vejo imitando
A descorchada romā;
Eu os amo prazenteiros
Vazando risos fagueiros
Como o sorrir da manhã.
Amo essa rosa vivente,
Que o ardor de um beijo sente,
Por ser a rosa do amôr;
E que em trôco de carinhos
Não dá cruentos espinhos
Bem como do prado a flôr.
Se de teus olhos, divina
Vem a luz que me illumina
D’alma a espêssa cerração,
Dos labios, bella, consente
Desça a phrase, que avivente
Meu ferido coração!