Poesias posthumas do Dr. Aureliano José Lessa/A minha rosa
Não é para cantar scenas de amôres
Que erro meus dedos sôbre as frouxas cordas
Da minha harpa infeliz; —nem dos meus labios
Dimanam como outr’ora os versos faceis,
Que a ventura inspirava.
Canto para echoar em sons queixosos
As lembranças crueis que me laceram
A mente angustiada; —eu canto amigos,
Para ouvir uma voz, que me lastime
Com verdadeira mágoa, e que gemendo
Aos ventos narre minha triste historia…
Canto para entornar sôbre minh’harpa
Negras recordações, dôres que augmentam
C’o muito imaginar, e que não posso
Em lágrimas verter dos olhos áridos.
Já gozei, como vós! da flôr dos annos
O perfume aspirei inda na aurora
Da minha juventude, quando um astro
Innundava de luz meu horizonte
Limpo de nuvens, quando a voz de um anjo
Fallava-me do céo, e filha delle
Com osculos de amôr me ungia os labios…
Tempo ditoso!… Para mim brilhavam
As estrêllas no céo, no prado as flôres,
Um sol de fogo, e a lua esmorecida;
P’ra mim cantava o sabiá canoro,
Bradava o mar, o zephyro gemia,
A tarde era serêna, o bosque verde,
E a fonte harmoniosa.
Era una orchestra a natureza toda,
E os échos da montanha repetiram
Meu cantico de amôres.
De rosas enramei a lyra de ouro
Para cantar da minha amada o nome,
Mais doce do que o mel, vibrei-lhe as cordas,
Que ao toque de meus dedos palpitavam
De glória, e de prazer!… Oh! que é das flôres
Que outr’ora engrinaldaste-me na lyra,
O’ minha pomba tímida, e innocente?
Que é dos magicos sons que então feriamos,
O’ minha lyra triste, e malfadada?
Tudo foi como as illusões de um sonho,
Que affaga a mente, rapido evapora-se…
Que funesto acordar! Hão de os meus dias
Nas trévas sepultar-se antes que um riso
Floresça nos meus labios; hão de as aves
Saüdar cantando á verde primavera,
Ha de o rio volver seu manso curso,
O céo ha de anilar-se, a terra inteira
Inda será feliz, emquanto eu gemo
Longe dos homens, de emoção vazio,
Esperando que alvejem meus cabellos
Nesta fronte abrasada…
Ah! que a fria mão da morte
Quebrou a última flôr
Do meu jardim de esperanças,
A rosa do meu amôr.
Deixou-me a celeste musa,
E a minha saüdosa lyra
Já não palpita de amôres,
Mas chóra, geme, e suspira.
Neste valle de amarguras
O que me resta esperar?
Irei no arraial dos mortos
Minha tenda levantar.
Venha a hora em que eu aviste
Na patria do Creadôr
A Musa da minha lyra,
A rosa do meu amôr.
Saüdade, inspira meus cantos,
Men destino é como o teu;
Juntos cantemos chorando
A rosa do peito meu!…