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Poesias posthumas do Dr. Aureliano José Lessa/Canto de Amôr

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CANTO DE AMOR


Oh! dize-me, anjo perfeito,
Que guardas dentro do peito
Meu coração,
Por que tu és a ventura,
Que ha tanto tempo procura
Minh’alma em vão?

Tua voz tem mais encanto,
Tem mais doçura que o canto
Do sabiá;
Teu riso é mais engraçado
Que o riso fresco e rosado
Que a aurora dá.


Teu olhar mais gôzo excita
Que a estrêlla que lá palpita
No azul do céo;
São de sêda os teus cabellos
E imitam seus negros élos
Da noite o véo.

E’ grato o matiz das rosas,
Mas tens nas faces formosas
Melhor matiz;
E’ bella do liz a alvura,
Mas tu vences na candura
A côr do liz,

Da garça o collo garbozo
Não é assim tão donoso
Como é o teu;
Tuas mãos são pequeninas,
Como são as mãos divinas
Que ha no céo.

A tua cintura breve
E’ mais flexivel e leve
Que o beija-flôr;
E’ branca a lua roupagem,
E do teu gesto a linguagem
Só diz—amôr.


Dize-me, ó anjo perfeito,
Que guardas dentro do peito
Meu coração,
Porque tu és a ventura
Que ha tanto tempo procura
Minh’alma em vão?

Jura que toda te inflammas
Do meu coração nas chammas,
Chammas de amôr;
Que queres na chamma activa
Abrasar a alma captiva
Do trovador.

Vem, pois. meu anjo, eu preciso
Beber tua voz n’um riso
Melhor que o mel;
Sorver tu’alma em teus olhos,
Prender-me da trança aos molhos
N’um só annel.

Do teu cabello nas trévas
O rosto da aurora elevas
Como um rosal;
Quero vêl-o entre os cabellos
Como do pólo entre os gêlos
Luz boreal.


Quero vêr do collo os pômos,
Donde quer saltar de assomos
O coração;
Como de pomba dous seios
Que em uniformes anceios
Batendo estão.

Dá-me as mãos, quero beijal-as,
Toma as minhas para atal-as
Em nó de amôr;
Pois n’um abraço, presinto,
Vão-te quebrar pelo cinto
Como uma flôr.

Oh! dize-me, anjo perfeito.
Que guardas dentro do peito
Meu coração,
Porque tu és a ventura
Que ha tanto tempo procura
Minh’alma em vão?