Poesias posthumas do Dr. Aureliano José Lessa/Consolação
A’s vezes quando a lua melancolica
Empallece o setim da azul redoma,
E o globo adormecido;
Quando ao roçar da briza a lyra eolica
Suspira, e um vagido aos céos assoma,
Qual de infante perdido;
Quando o silencio, fugitivo errando
No arvoredo, um rumor vago desperta,
Que presto se esvaece;
Quando ao longe erma estrêlla palpitando
Attrahe os olhos, e lembrança incerta
Sôbre lágrimas tece;
Eu vou sentar-me á sós com as minhas mágoas,
Com os meus suspiros na fragosa crista
De um rochedo do mar;
Ali não vejo os homens;—sobre as aguas
Balança o céo,—nenhum batel se avista
No horizonte á vagar.
Então da vida as fontes não golfejam
Sangue,—converso á Deus dentro em minh’alma
Sem palavras do mundo:
E sinto esses momentos, que gottejam,
Como orvalho do céo, celeste calma
Do coração no fundo.
De lá derramo os olhos macerados
Por essas praias, onde outr’ora em fios
Correu do Indio o pranto:
Tristes! assim podesse eu dar meus fados
Por seu exilio nos sertões sombrios,
Da guaraponga ao canto!
Ali n’ harpa dos ermos entoára
Doces votos de amôr desconhecidos
A os bosques indianos;
Lá minha voz aos ventos espalhára
Já que só vi na terra fementidos
Os corações humanos.
E então quizera ter nas mãos o copo
Dos meus dias, de onde o desengano
Vasou-me as esperanças,
E quebrando-o á meus pés sôbre um cachôpo,
Sepultar para sempre no oceano
Minhas negras lembranças…
Em vão! Se meu olhar o céo percorre,
Encontra a face pallida da lua
Tão calma e tão contricta…
Então nos labios a blasphemia morre,
Então, Senhor, bemdigo a dôr, que estúa
Nesta minh’ alma afflicta.
Posso chorar, aqui não hão de o rosto
Voltar sorrindo os homens, deparando
Com o pranto em minha face;
Doce pranto de equivoco desgôsto,
Que as urnas do prazer e dor vasando
Casam em brando enlace.
Senhor! Possa de tuas mãos soltar-se
Meu élo extremo de existencia escura
Nestes bellos momentos!…
Deve a mente mais facil desatar-se
Da terra, e aos teus pés subir mais pura
De humanos pensamentos